“A OTAN não é nem uma comunidade de democracias nem uma organização de defesa da democracia”

Washington: Cupula da OTAN e Contra-Cupula Pela Paz – PARTE 1/3
Textos publicados no jornal francês Informações Operárias, nº 816

A era do pré-guerra começou

A 9 e 10 de Julho, os chefes de Estado dos trinta e dois países da OTAN reúnem-se com Biden, em Washington, para uma cupula que assinala o 75º aniversário da criação da Aliança transatlântica.

Face a isso, em 6 e 7 de Julho, organi-zações anti-guerra, organizações pacifistas estadunidenes e europeias realizaram uma conferência anti-OTAN, em Washington, que culminou com uma marcha contra a guerra, para combater o genocídio em Gaza, pelas ruas de Washington até à Casa Branca.

A OTAN prepara atualmente o aumento da sua ajuda militar à Ucrânia, bem como a intensificação da escalada militar contra a China.

No dia 7 de Julho, o jornal Le Monde intitulava: “A era do pré-guerra começou”. Segue uma longa reportagem sobre a ampliação da OTAN e do exército dos EUA na Europa. Dezenas de bases militares estão sendo instaladas e crescendo em toda a Europa do Leste.

O jornal cita, por exemplo, a base de Rudninkai, na Lituânia, com 25 mil hectares, que custará 9 bilhões de euros para acolher 5 mil soldados alemães.

9 bilhões de euros retirados do financiamento das escolas e dos sistemas de saúde de todos os países. É esta a questão que faz desta cupula guerreira da OTAN uma cupula de crise: quem deve pagar para preparar a guerra?

Como podemos preparar-nos para a possível eleição de Trump, que exige que o essencial do esforço financeiro para a expansão militar na Europa seja suportado pelos países europeus e bem menos pelos Estados Unidos ? A OTAN antecipa-se, designando um político holandês, Mark Rutte, para chefiar a OTAN, porque ele concorda que o grosso do esforço de guerra recaia sobre os países da Europa.

Mas os povos não querem a guerra, não querem pagar o esforço de guerra, nem querem se resignar perante o massacre das populações em Gaza, na Ucrânia e outros lugares.

Sunak (Reino Unido), Scholz (Alemanha) e Macron (França)  trabalhaam há meses para intensificar a guerra e o genocídio em Gaza.

Eles foram derrotados.

Scholz acaba de sofrer a maior derrota eleitoral desde sempre do seu partido, a 9 de Junho, nas eleições europeias, Sunak acaba de ser expulso do governo após a sua derrota nas eleições de 4 de Julho, quanto a Macron, no espaço de um mês, multiplicou, as derrotas eleitorais.

Bruno Ricque

Sevim Dagdelen

Apresentamos aqui extratos do informe introdutório de Sevim Dagdelen, deputada no Parlamento federal alemão desde 2005 pela Renania-Westfalia, à conferência “NÃO à OTAN, SIM à PAZ”, realizada em Washington a 6 de Julho. Sevim Dagdelen é também membro da Comissão dos Assuntos Externos e foi por muitos anos membro da Assembleia Parlamentar da OTAN, onde os deputados dos países membros da Aliança debatem questões de política de segurança e defesa.

“ Em 1999, a OTAN desencadeou uma guerra de agressão contra a República Federal da Yugoslávia violando o direito internacional. Os crimes de guerra da OTAN incluíram o bombardeio de uma estação de televisão em Belgrado e um bombardeio alegadamente acidental da embaixada chinesa que matou três jornalistas chineses.

Em 2011, a OTAN atacou a Líbia, infringindo uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, adoptada para levar a cabo uma guerra para uma mudança de regime, mas cujo desfecho foi colocar uma parte do país sob controle dos islamitas; o país inteiro mergulhou num estado de miséria terrível, tendo inclusive assistido à volta da escravatura.

No Afeganistão, a OTAN envolveu-se desde 2003 numa guerra longe dos territórios da Aliança. O objetivo declarado da invasão era derrubar os talibãs. Vinte anos mais tarde, o poder foi entregue aos talibãs. Esta guerra de vinte anos no Afeganistão foi marcada por numerosos crimes de guerra – como o ataque aéreo estadunidense, em Outubro de 2015, a um hospital dos Médicos Sem Fronteiras em Kunduz – que, não precisamos dizer, ficaram impunes.

A Universidade de Brown calcula em 4,5 milhões o número de mortos nas guerras travadas pelos EUA no Oriente Médio nos últimos vinte anos – guerras, como a do Iraque, que se basearam em mentiras e não passaram de violações flagrantes do direito internacional.

A imagem que a OTAN dá de si própria – uma comunidade de defesa que respeita o direito internacional – não corresponde minimamente à realidade. A conclusão que devemos tirar é, exatamente, a oposta.

Até 1974, Portugal, membro da OTAN, foi dominado por uma ditadura fascista que travou guerras coloniais sangrentas em Angola e Moçambique. Os que resistiam eram levados para campos de concentração como o Tarrafal, em Cabo Verde, onde muitos angolanos e guineenses foram torturados até à morte.

Tal como o Portugal fascista, a Grécia e a Turquia tornaram-se membros da OTAN na sequência dos respectivos golpes militares.

Acordos bilaterais de segurança, como os celebrados com a Espanha de Franco, estão agora em vigor com a Arábia Saudita e o Qatar, apesar de se saber perfeitamente que estes Estados são abertamente antidemocráticos. É evidente que o único critério válido para lidar com a Aliança é a vantagem geopolítica. A OTAN não é nem uma comunidade de democracias nem uma organização para a defesa da democracia.

UMA POLÍTICA DE REARMAMENTO E DE FORNECIMENTO DE ARMAS, CÚMPLICE DOS CRIMES DE NETANYAHU

Três reuniões específicas estão previstas para a cupula da OTAN desta semana. A primeira é uma sessão de trabalho dedicada à aceleração do rearmamento da Aliança. Segue-se o Conselho OTAN-Ucrânia. Deverá debater a forma como as transferências financeiras e os compromissos da OTAN para com a Ucrânia podem ser aumentados, com um aumento do fornecimento de armas e a eventual adesão da Ucrânia à OTAN. Em terceiro lugar, haverá uma sessão com os parceiros da Ásia-Pacífico (Austrália, Japão, Nova Zelândia e Coreia do Sul) e uma reunião com os líderes da União Europeia.

Com o seu apoio incondicional ao governo de extrema-direita de Benjamin Netanyahu, a OTAN está em vias de perder toda a legitimidade moral no Sul, porque é considerada cúmplice dos crimes de guerra israelitas.

O apoio da opinião pública à escalada e à expansão da OTAN está diminuindo no Ocidente. Na Alemanha, 55% da população rejeitou a adesão da Ucrânia à OTAN. A maioria opõe-se ao fornecimento de armas à Ucrânia e quer um cessar-fogo imediato. Nos Estados Unidos, a ajuda financeira à Ucrânia, que atualmente chega a 200 bilhões de dólares, tornou-se extremamente impopular. O que precisamos agora é parar imediatamente o fornecimento de armas à Ucrânia e, finalmente,  um cessar-fogo naquele país. Um primeiro passo seria não permitir que uma Aliança militar – que financia a sua estratégia agressiva através de uma guerra social conduzida pelos governos que a constituem contra o seu próprio povo – nos tome por bobos”.

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