Battisti nos Anos de Chumbo
Em seu 7º Encontro Nacional o Diálogo e Ação Petista adotou uma moção contra a extradição de Cesari Battisti, para o que o governo italiano começou a operar depois que o governo golpista instalou-se no Brasil. Em dezembro de 2010 o presidente Lula negou o pedido de extradição dando a Battisti a condição de imigrante.
Publicamos abaixo um artigo de Carlos Lungarzo, integrante do Comitê de defesa de Cesare Battisti. Lungarzo é autor do livro “Os cenários ocultos do caso Battisti”. Neste artigo ele retoma o início do processo de perseguição do governo italiano contra Battisti.
Carlos A. Lungarzo
Na Itália, após a guerra e apesar de Constituição de 1947, que proibiu o uso do nome e a exibição dos símbolos do extinto Partido Nacional Fascista, milhares de membros, muitos de alta patente, continuaram ocupando postos chaves em prefeituras, governos de províncias e regiões, cargos importantes no exército e na polícia, nas finanças públicas e no judiciário. Mas também a esquerda, representada pelo Partido Comunista (PCI), o Partido Socialista (PCI) e grupos independentes, era numerosa.
Os fascistas, aliados com parte da Democracia Cristã e sociedades mafiosas como Propaganda 2 iniciaram um plano para destruir a esquerda. Em 1965, foi fundada, em Roma, a organização Gladio, que coordenou o terrorismo de direita em todo o país com a ajuda dos EUA. Esse terrorismo consistia em (a) Ataques contra estudantes e operários pela polícia e os paramilitares fascistas. (b) Ataques massivos (stragi) com explosivos fornecidos pela Marinha em praças, trens, “shoppings”, estações, bancos, etc. O objetivo dos estragos era colocar a culpa na esquerda, e assustar a população comum, que passou a exigir mais repressão. Ainda hoje, muitos deles acreditam (ou fingem acreditar) que foi a esquerda que fez os estragos.
O período mais intenso de terrorismo fascista foi entre os anos 69 a 80 que foram chamados Anos de Chumbo. Entre as vítimas assassinadas por policiais e paramilitares e os mortos em estragos, a quantidade passa de 1400, com milhares de aleijados, e cerca de 30.000 detidos.
Na medida em que a repressão aumentava, o PCI se aproximava mais da direita, pois, apesar de seus grandes triunfos eleitorais, nunca conseguiu o governo. Então, repudiaram o marxismo e o socialismo (Bettino Craxi em sua obra O Vangelo Socialista), e inventaram o Eurocomunismo, uma aliança de centro-direita para combater o comunismo tradicional, representado pelos marxistas e anarquistas que ainda eram muitos. O PCI foi, nos anos de Chumbo, grande fornecedor de pelegos, delatores e alcaguetes.
Com a militância de jovens estudantes e operários, magoados pelas traições do PCI e o PSI, se formaram os grupos autônomos. Eles não devem ser confundidos com as Brigadas Vermelhas, que possuem origem e objetivos diferentes. O grupo no qual entrou Cesare Battisti era o dos Proletários Armados para o Comunismo, fundado em 1977. Esse grupo usava armas como autodefesa, para proteger os proletários dos abusos policiais, apoiar as greves, e combater a violência nas prisões. Eles juraram jamais usar violência letal, mas o juramento foi violado por um subgrupo formado em 1978.
Esse grupo executou um chefe dos torturadores policiais da Prisão de Udine, Antonio Santoro, em 1978. Em 1979, executaram dois parapoliciais: um membro do partido neofascista MSI (Lino Sabbadin), e um membro de um grupo de extermínio Maioria Silenciosa, Pierluigi Torregiani. O último executado, Andrea Champagnat, foi um policial não vinculado com a tortura.
Quando se planejaram as execuções, Cesare se manifestou contra e se dissociou dos PAC. Detido e julgado em 1979, foi condenado por delitos políticos e nunca a polícia nem o judiciário o acusaram de envolvimento com aqueles homicídios. Cesare fugiu da prisão e se exilou no México.
Nas quatro execuções houve, pelo menos, seis atiradores: Diego Giacomin, Pietro Mutti, Giuseppe Memeo, Sebastiano Masala, Dante Fatone, e Gabriele Grimaldi. Todos eles foram detidos, julgados e condenados a penas de menos de 15 anos. A acusação contra Battisti foi forjada pelo Tribunal do Júri de Milão, num processo fraudado entre 1984 e 1990. Pietro Mutti foi submetido a torturas duríssimas e acabou contando uma história onde pintava Battisti como o principal homicida e até como o planejador dos quatro crimes. Fatone, também torturado, limitou-se a assinar, junto com Mutti, a delação premiada. Mutti nunca mais foi visto, mas supõe-se que não cumpriu sua pena. Nenhum outro denunciou Battisti.
Quando foi “julgado”, Battisti estava no México e não tinha sequer suspeita da existência do julgamento. A condenação foi feita apenas com base em delações premiadas, sem a presença do réu, sem reais testemunhas, sem provas materiais e advogados com procurações falsificadas.
Qualquer semelhança com o que temos hoje no Brasil não é mera coincidência.