A situação na Argélia e a luta pela liberdade de Louisa Hanoune
Como publicamos anteriormente, desde 9 de maio, Louisa Hanoune, secretária-geral do Partido dos Trabalhadores da Argélia, está presa. Sua prisão foi decretada por um Tribunal Militar, quando foi prestar depoimento, como testemunha. Republicamos aqui o artigo de Misa Boito, dirigente do PT, publicado no site Brasil 247.
Argélia: liberdade para Louisa Hanoune!
Desde 9 de maio, Louisa Hanoune, secretária-geral do Partido dos Trabalhadores da Argélia, está presa. Sua prisão foi decretada por um Tribunal Militar, quando foi prestar depoimento, como testemunha, em um processo envolvendo três membros do governo Bouteflika (presidente do país de 1990 a abril de 2019).
Os jornalões tupiniquins pouco ou nada registram sobre os acontecimentos neste país. Mas, o que se passa na Argélia, norte da África e maior produtora de petróleo e gás do continente africano, tem uma dimensão internacional. Num mundo convulsionado pela resistência das massas em todos os continentes diante da ofensiva destruidora do sistema capitalista em crise, os acontecimentos na Argélia mostram que a luta revolucionária dos povos é uma questão do presente.
Há três meses, desde 22 de fevereiro, todas a semanas, milhões de pessoas saem às ruas. Num país com 40 milhões de habitantes as mobilizações reúnem de 17 a 20 milhões, num movimento que veio de baixo, inicialmente contra um 5º mandato ao presidente Abdelaziz Bouteflika, e evoluiu para a exigência de “fora o regime”.
Ex-colônia francesa, a Argélia, depois de uma guerra que deixou cerca de um milhão de mortos, conquistou sua independência em 1962. Após a revolução argelina, surge um regime de partido único, a FLN (Frente de Libertação Nacional). Na década de 1990, com a abertura ao multipartidarismo, é criado o Partido dos Trabalhadores, que tem como principal liderança Louisa Hanoune, então militante da clandestina
Organização Socialista dos Trabalhadores. Deputada da Assembleia Nacional por quatro mandatos, até renunciar em março deste ano, diante da rejeição das massas às instituições do regime, Louisa foi a primeira mulher, no país, a ser candidata à Presidência da República.
O regime tornou-se insuportável
Por um período, com algumas concessões às massas e medidas de controle das riquezas, o regime político argelino resistiu limitadamente ao imperialismo. Na última fase, subordinando-se às exigências imperialistas, com privatizações e ataques às condições de vida do povo tornou-se insuportável. O regime preparava-se para nas eleições previstas para abril deste ano dar um 5º mandato a Bouteflika. Isso foi o detonador do processo revolucionário em curso. Bouteflika renunciou à candidatura e para maquiar e preservar o regime constitui-se um “governo de transição” que fracassou. Com o apoio o imperialismo, as forças do regime tentam uma transição que assegure sua continuidade numa eleição presidencial marcada, agora, para 4 de julho. As manifestações não cessaram, “nós dissemos saiam, isto quer dizer saiam”, dizem os manifestantes.
Neste processo, greves começam a pipocar e a classe trabalhadora inicia um movimento para se reapropriar de sua central sindical histórica, a União geral dos Trabalhadores Argelinos (nascida durante a guerra da independência), cuja direção é comprometida com o atual regime.
A situação na Argélia está num ponto de inflexão. De um lado, há um processo revolucionário que continua e se aprofunda pela derrubada do regime. De outro, o regime em crise, busca se segurar. Quem comanda a política do regime é o chefe do estado-maior, Gaïd Salah. Diante de suas manobras, uma nova palavra de ordem surge nas manifestações “a Argélia não será nem monarquia, nem caserna!”.
Gaïd afirmou que a única questão agora é a manutenção das eleições marcadas para 4 de julho. No El Deich (“O Exército”), o jornal oficial do estado-maior, afirmou que “aqueles que se opõem à eleição presidencial e ao quadro constitucional são cúmplices do complô”. Em 9 de maio Louisa Hanoune é presa sob acusação de “conspirar contra o regime”.
Na nota que denuncia a prisão de sua secretária-geral, o PT declara: “Todos argelinos e argelinas sabem que o Partido dos Trabalhadores combate desde a sua fundação em 1990 pela Assembleia Constituinte soberana parra o surgimento da verdadeira democracia e pela soberania popular. Ele nunca se desviou desta linha diretriz de sua política. É por isso que o Partido dos Trabalhadores, fiel à sua política, pronunciou-se contra o quinto mandato de A. Bouteflika, decidiu pela demissão de seu grupo parlamentar da Assembleia Popular Nacional e exprimiu-se contra todas as manobras visando contornar a revolução popular que exige a saída do sistema, cuja pretensa transição que querem fazer desemboca na eleição presidencial de 4 de julho de 2019”.
A prisão de Louisa é denunciada por um amplo espectro de forças políticas e na mídia argelina. Um comitê nacional pela sua libertação foi criado no país.
Em artigo no jornal El Watan, se lê: “Estranho paradoxo. Em plena insurreição popular que inflama o país inteiro reivindicando a mudança radical do sistema político, Louisa Hanoune, a dirigente histórica do Partido dos Trabalhadores, foi presa por um tribunal militar e acusada de ‘complô para mudar o regime’.
Uma dura prova infligida a uma militante de longa data que, desde sua juventude, se envolveu politicamente na luta contra o autoritarismo, enfrentando o implacável regime do partido único e sua política aterrorizante.
Ela, que naturalmente deveria celebrar com seus compatriotas revoltados nesses tempos de encantamento revolucionário o desfecho de um incansável combate pela democracia, encontra-se no banco dos réus da justiça militar” (…), seu coração de batalha está na classe operária e nos menos favorecidos. É esta a base ideológica de seu partido político” (16 de maio)
No canal islâmico Amel TV, o apresentador anunciou o encarceramento de Louisa Hanoune e afirmou: “vamos lembrar que, em 1991, o Partido dos Trabalhadores foi o único partido que denunciou a paralisação do processo eleitoral e as prisões dos dirigentes do FIS” (Em 1991, no primeiro turno das eleições, a Frente Islâmica de Salvação chegou largamente na frente. O estado-maior anulou o processo eleitoral e jogou na prisão os dirigentes do FIS, abrindo o caminho para uma guerra de dez anos, que fez 250.000 mortos)
Presos políticos
O Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos (cIT), do qual Louisa é uma das coordenadoras, iniciou uma campanha internacional pela sua libertação, com apoio em países de todos os continentes. No Brasil, a CUT, o PT, PCdoB, PSOL, lideranças dos movimentos populares e personalidades democráticas estão se associando. Na última semana, a campanha ganhou um importante reforço:
“Curitiba, 22 de maio, Tomei conhecimento da detenção arbitrária da companheira Louisa Hanoune, secretária geral do Partido dos Trabalhadores da Argélia. Conhecedor de sua trajetória política não tenho dúvidas em me associar aos milhares de cidadãos(ãs) que lutam pela sua imediata libertação.”
Luis Inácio Lula da Silva
Louisa Hanoune, encabeçou, em dezembro de 2017, uma campanha em nome do AcIT, contra a condenação de Lula e pelo direito a ser candidato, em abril de 2018, pela sua libertação.
Em 20 de maio Louisa teve recusado o recurso contra sua prisão. Pelas leis do país não poderá apresentar novo recurso antes de um mês.
Segundo seus advogados das acusações contra ela – “complô para mudar o regime, conforme o artigo 77 do código penal e “complô com objetivo de atentar contra a autoridade do comando de uma formação militar (artigo 284 do código de justiça militar)”- uma pode levar a uma pena de cinco a 10 anos de prisão, a outra pode levar até à pena capital.
Primeira dirigente de um partido político aprisionada desde o advento do multipartidarismo, Louisa Hanoune é uma prisioneira política, a manutenção de sua prisão é uma ameaça contra todos que querem a mudança do atual regime político na Argélia.
Misa Boito