O legado nefasto da Lava Jato
Por Milton Alves*
A Lava Jato, com o desmonte da operação, demanda um rigoroso balanço de seu legado. Nos últimos dias, o debate veio à tona provocado pelas revelações das conversas entre Sérgio Moro, o coordenador da força-tarefa Deltan Dallagnol e demais integrantes do grupo de procuradores. Revelações chocantes de mensagens que mostram a face oculta de uma operação marcada por numerosos atos de ilegalidades, crimes e farsas judiciais monstruosas.
Ao traçarmos uma linha do tempo da operação iniciada em março de 2014, é inevitável a constatação de que a Lava Jato contribuiu de forma decisiva para a subversão da institucionalidade pactuada na Assembleia Nacional Constituinte de 1988, praticando um modelo importado de justiça, de caráter punitivista, autoritário, de exceção – violando todas as regras consagradas no chamado Estado de direito.
Uma avaliação mais geral do contexto do surgimento da operação Lava Jato aponta para uma ação sintonizada com a política implementada pelo Departamento de Estado (DoS) norte-americano: Após o colapso soviético e o fim das guerrilhas marxistas em El Salvador e Guatemala, os Estados Unidos iniciaram na América Latina e Caribe a “guerra contra as drogas”, uma operação de interferência direta nos países da região.
Em um novo giro na política imperialista, depois da chamada “guerra contra o terror” dos anos 2000, a agenda de combate à corrupção também pautou as ações do Departamento de Estado e demais agências norte-americanas de inteligência e espionagem, um instrumento a serviço da desestabilização de governos democráticos e progressistas do continente. Brasil, Equador, Argentina e Peru, em graus diferenciados, foram os alvos de campanhas “anticorrupção”, com o estímulo, suporte e participação direta de agências estadunidenses.
Portanto, um dos maiores crimes praticados no curso da operação Lava Jato foi a colaboração clandestina com agências e autoridades dos EUA e da Suíça, uma grave lesão aos interesses do país que precisa ser devidamente apurada.
Os danos institucionais, econômicos e sociais gerados pela Lava Jato devem ser examinados cuidadosamente pela lupa do Supremo Tribunal Federal (STF), do Congresso Nacional, PGR, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo próprio Ministério Público Federal, definindo os crimes e a responsabilização dos envolvidos.
Um legado nefasto
Órgãos da mídia corporativa – TV Globo e Folha de São Paulo – tentaram neste fim de semana relativizar os impactos negativos da Lava Jato. O esforço da mídia pró-Lava Jato é apresentar os crimes como simples desvios da “rota positiva” da operação no combate à corrupção no interior do estado brasileiro. Segundo os órfãos da Lava Jato, a experiência foi positiva e que um balanço da operação não pode abrir caminho para a volta da impunidade dos agentes públicos. Ou seja, o mesmo discurso favorável ao lavajatismo, reciclado por um tom mais defensivo diante das montanhas de terabytes, que revelam os métodos criminosos do ex-juiz Sérgio Moro e de Deltan Dallagnol.
Além disso, é impossível não estabelecer o nexo entre Operação Lava Jato e a vitória eleitoral do protofascista e genocida Jair Bolsonaro, que conduz um governo de tipo militarizado. O lavajatismo foi o estuário em que a extrema direita navegou, com muita demagogia e o apoio da imprensa dominante, o que facilitou a chegada de Bolsonaro ao comando do governo federal.
Os métodos da Lava Jato desembocaram na criminalização dos partidos e de lideranças políticas, que teve como maior expressão a campanha inédita de lawfare contra um líder político brasileiro – o ex-presidente Lula -, condenado e preso sem provas por 580 dias. O encarceramento “preventivo” de executivos de empresas privadas e públicas, as delações forjadas, as conduções coercitivas ilegais, as prisões filmadas, os vazamentos seletivos para a Rede Globo, a falsificação de documentos e a espionagem de advogados de defesa dos acusados foram alguns dos mecanismos criminosos utilizados pela operação.
A Lava Jato também legou um enorme passivo na economia do país. Sob o pretexto do combate à corrupção, provocou a implosão de setores inteiros da economia nacional, afetando a indústria da construção civil e de infraestrutura pesada, a indústria naval, o setor químico e a cadeia produtiva de petróleo e gás.
Segundo estudo do Corecon [Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro] a Lava Jato foi um fator importante no agravamento do quadro de recessão na economia entre os anos de 2015 a 2018 e foi a responsável pela queda de até 85% do faturamento das construtoras brasileiras, o que acabou gerando a perda de milhares de empregos diretos e indiretos em todo o país.
Hora de decisão no STF
A expectativa nos próximos dias se volta para o julgamento no STF do habeas corpus que pede a anulação dos processos contra o ex-presidente Lula julgados por Sérgio Moro. A presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), deputada Gleisi Hoffmann, vai ao ponto quando faz a denúncia da parcialidade de Moro contra Lula em todas as ações da Lava Jato. “Moro comandou a Lava Jato desde antes da apresentação das denúncias que ele viria a instruir e julgar com o objetivo previamente traçado de condenar Lula e excluí-lo do processo eleitoral. Tratou o acusado como inimigo pessoal e político. É isso que a lei define como suspeição e falta de imparcialidade de um juiz, e que vem a somar-se ao imenso rol de ilegalidades cometidas por ele e pelos procuradores para cercear a defesa, forjar provas e manipular a opinião pública contra seu alvo, com a indispensável cumplicidade da mídia”, disse a dirigente petista.
Novamente uma decisão judicial envolvendo Lula pode determinar os caminhos políticos do duro embate em curso entre as forças conservadoras – neoliberais e golpistas – e o campo da esquerda e dos trabalhadores.
O fim da proscrição política de Lula é uma exigência democrática, assim como a anulação de todos os processos conduzidos no âmbito da Lava Jato, com a soltura de todos os presos e a punição de Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e dos integrantes do MPF que atuaram na criminosa força-tarefa.
*Ativista político e social. Autor dos livros ‘A Política Além da Notícia e a Guerra Declarada Contra Lula e o PT’ (2019) e de ‘A Saída é pela Esquerda’ (2020) – ambos pela Kotter Editorial.