Contribuição do grupo de discussão no Uruguai

A Lei de Urgente Consideração (LUC) e a campanha de coleta de assinaturas pró-referendo. Sim, podemos!

Depois de 15 anos de governos da Frente Ampla no Uruguai, em 2019 venceu a coalizão “multicolor”, encabeçada pelo atual presidente Luis Lacalle Pou. Nesse contexto, foi aprovada uma Lei de Urgente Consideração (mecanismo previsto na Constituição nacional) em julho de 2020, em plena pandemia do Covid-19.

Originalmente, a proposta tinha 501 artigos e depois do debate parlamentar ficou com 476. A maioria deles foi votada pelo Partido Nacional, Partido Colorado (considerados os partidos tradicionais e que existem desde a fundação do Estado nacional) e Cabildo Abierto (novo partido da ultradireita, criado em 2019 pelas mãos do ex-comandante chefe do Exército, Guido Manini Ríos). A Frente Ampla, apesar de ser a principal força política de esquerda na oposição, conseguiu realizar algumas mudanças e votou, na Câmara dos deputados e senadores, cerca de 51% do conteúdo da lei, inclusive os artigos 235 e 236, que modificaram a regulação do mercado de combustíveis, ameaçando a Ancap (empresa estatal de exploração de petróleo e derivados).

Em janeiro de 2021, as organizações sociais e a Frente Ampla, aglutinadas na Intersocial, formaram a comissão pró-referendo, para tentar derrubar 135 artigos da LUC, considerados oa mais nocivos à soberanía nacional, ao setor público e à sociedade em geral. Em particular, os capítulos referentes à regulamentação fiscal, a proteção da livre circulação, a eleição dos diretores do Banco de Previsión Social (previdência e seguridade), a privação de liberdade dos adolescentes, o mercado de petróleo e seus derivados, o Instituto Nacional de Colonização, a liberdade do trabalho e o direito à liberdade de empresa. Foram também incluídos no referendo os artigos 235, 236, 187, 188 e 189, que a bancada a Frente Ampla havia votado.

A comissão tem também o objetivo de derrubar os artigos que declaram “ilegítimos” os piquetes e as manifestações que “impedem a livre circulação”, porque entende que, na realidade, ferem o direito das pessoas a se manifestarem políticamente. Esses artigos afetam os coletivos sociais, como os sindicatos e os movimentos estudantis.

Depois de seis meses de campanha pró-referendo e de realizar a coleta de assinaturas em todo o país, apesar das restrições à mobilidade impostas  pela pandemia de Covid 19 e a emergência sanitária, foram obtidas 572.551 assinaturas. Em 22 de junho, restavam 17 dias para encerrar o prazo estabelecido por lei, ou seja, eram necessárias cerca de 8 mil novas assinaturas por dia para atingir o número exigido para a realização do referendo.

Várias declarações dos dirigentes e militantes sociais e políticos destacaram que era possível atingir essa meta, sobretudo se levarmos em conta que o “ritmo” nesses meses foi satisfatório. Na última coletiva de imprensa, da qual participaram representantes da Federação Uruguaia de Cooperativas por Ajuda Mútua, a Federação de Estudantes Universitários do Uruguai, a Frente Ampla e a Intersocial Feminista, todos concordaram que a “façanha” estava por se concretizar e apelaram aos militantes para “redobrar o esforço” nos últimos días, antes que vencesse o prazo para apresentar as assinaturas à Corte Eleitoral.

797.261 assinaturas

Sem dúvida, o esforço foi enorme para derrubar grande parte de uma lei que modificou as estruturas do Estado, com o objetivo de reduzi-lo à sua mínima expressão, liquidando os avanços sociais e econômicos conquistados durante os governos da Frente Ampla. A população conheceu o conteúdo da LUC de forma muito parcial, pois durante a campanha eleitoral, ainda que se tenha falado de uma “grande lei”, não foram detalhados seus artigos. Tampouco se proporcionaram os espaços e tempos necessários para que a sociedade tivesse a oportunidade de debater e propor mudanças (ou simplesmente rechaçar toda a lei).

A estratégia do Partido Nacional foi incluir a lei no “compromisso pelo país” (documento assinado pelos partidos da coalizão no segundo turno das eleições de novembro de 2019, quando a lógica eleitoral e a “urgência” de unir-se para derrotar a Frente Ampla fez com que praticamente todo o sistema político aderisse a essa lei sem conhecer suas implicações mais profundas.

Para finalizar, vale a pena destacar que a coleta de assinaturas em todo o território nacional foi realizada conjuntamente com outras campanhas sociais, como as “ollas populares” (panelas populares).

No último dia 8 de julho, encerrou-se o prazo para a coleta de assinaturas e foram divulgados os resultados da campanha. Não apenas foi alcançado como superado o número de assinaturas exigido pela corte eleitoral (25% do número de eleitores), gerando as condições para que “não faltem as assinaturas”, já que se diz que tradicionalmente a corte invalida de 5% a 10% do total. Foram 797.261 vontades contra a LUC. É um feito histórico para o Uruguai e sua militancia social que, apesar de uma conjuntura política e sanitária adversa, sem os palanques populares do nosso carnaval, com as faculdades fechadas, com muitos espaços tradicionais de militância fechados, realizaram a façanha.

Outro fator a ser levado em conta é que a realização do referendo gerará uma polarização ainda maior na sociedade. A LUC concentra as principais reformas do governo, o programa do Partido Nacional pode resumir-se a essa lei. A possibilidade de sua revogação não apenas é uma vitória para a esquerda em geral, como uma encruzilhada para o neoliberalismo uruguaio, que apostou todas as fichas na aprovação dessa lei. Agora começa a “guerra de relatos”. No dia seguinte, os principais jornais do país estavam divididos: enquanto a “Diaria” anunciava o êxito da coleta de assinaturas, outros jornais, como “El País, questionavam como se conseguiram 140 mil assinaturas em três días. As reações não se fazem esperar e, lógicamente, um movimento que envolveu os militantes e as organizações de trabalhadores e estudantes será questionado por setores do empresariado e pelo governo.

Mas, ao final, o que importa é que teremos um referendo. Para a revogação da LUC são necessários 50% mais 1 dos votos válidos. Devemos votar Sim ao rescurso contra a LUC (Lei 19889).

Agosto, 2021

Para conhecer o conteúdo da Lei de Urgente Consideração, veja:

https://www.elpais.com.uy/informacion/politica/nace-ley-urgente-consideracion-puntos-clave-proyecto-lacalle-pou.html

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