Acusações de Guadalupe ao capitalismo

O pequeno arquipélago de Guadalupe, nas Antilhas, é um departamento de ultramar da França- ou seja, uma colônia. Companheiros guadalupenses responderam positivamente ao chamado do Comitê Internacional de Ligação e Intercâmbio-CILI para que fizessem um rol de acusações ao sistema capitalista.

Neste dossiê, a organização Travayé é Péyizan (Trabalhador e Camponês), mostra como o sistema capitalista pressupõe a manutenção do colonialismo e como a luta pela independência nacional é inseparável do combate da classe trabalhadora para por fim a este sistema baseado na propriedade privada dos meios de produção.

Leia a seguir a contribuição dos companheiros de Guadalupe.



Travayé é Péyizan – Pou lendépendants Nasyonal a Gwadloup (Trabalhador e Camponês; pela independência nacional de Guadalupe)

Acusações ao capitalismo em nível de Guadalupe

Contribuição de Travayé é Péyzan

Aos coordenadores do Acordo Internacional de Trabalhadores e Povos-AcIT

Aos camaradas do Comitê Internacional de Ligação e Intercâmbio-CILI

Aos trabalhadores e povos de todo o mundo


Caros camaradas, caros amigos,

Os nossos camaradas do Acordo Internacional, através do CILI, “convidam-nos a redigir juntos a ata de acusação do capital” e “convocam-nos a enviar contribuições sobre a situação em cada país e as lutas que aí se travam, para dar um alcance global a esta denúncia do capital”.

Em nosso país, Guadalupe, vivemos em uma situação dramática, sob a dominação criminosa do poder colonial a serviço do capital e dos bekes[1].

Não nos esquecemos que o governo francês, no momento da 2ª abolição da escravatura, indenizou os escravagistas, os antepassados dos bekes, pela perda de seus rebanhos.

Hoje, depois de se aproveitarem da Covid para nos aterrorizar, querem nos impor à força seu passe sanitário (lembremo-nos de um dos artigos do Código Negro[2]…).

E, por meio dessa abordagem, o Estado francês busca aliados, principalmente entre os pretendentes para assumir a “responsabilidade”, que o ajudem a colocar em prática a nova forma de dominação do poder colonial em nosso país.

Essa situação dramática criminosa começou em 1635.

Os futuros proprietários do capital começaram já em 1635 com os atos de barbárie em nosso país com a chegada dos primeiros colonos franceses em nossas terras: assassinatos, estupros e roubo da propriedade dos Kalinas, os primeiros habitantes do Arquipélago.

Eles continuaram com o tráfico de escravos e a escravatura: escravização dos africanos arrancados de suas terras, a que deve ser acrescentada a longa lista de vítimas de massacres coloniais, crimes sem culpados: 1910, 1925, 1931, 1952, 1967, 1985, 2009…

Esta colonização, com seus crimes e sua alienação, prosseguiu: 10 mil guadalupenses foram assassinados em 1804, com o restabelecimento da escravidão.

Esta colonização também tomou outra forma:

  • Envenenamento da população: Como afirma LKP em uma carta aberta ao presidente da República Francesa: “Durante décadas, a França autorizou a comercialização e a utilização da Clordecona em Guadalupe e Martinica, afirmando que verificações haviam sido feitas e que este produto não apresentava nenhum risco à saúde e ao meio ambiente… (…)… diferentes relatórios afirmam que as autorizações de venda foram feitas sem respeitar a legislação, com o resultado de 95% da população envenenada, e terras poluídas por sete séculos.
  • Gestão criminosa do Covid e da água: Desmantelamento dos serviços públicos (Saúde, em particular do hospital), Educação, Correios, Centro de Empregos, as coletividades.
  • Apoio aos Bekes na espoliação das terras: Com o exemplo de Daubin, na cidade de Ste-Rose, onde um beke[3] ocupou um terço do território do município.

Hoje, para continuar e garantir essa dominação, a serviço do capital, o poder colonial francês deseja adaptar a forma desta dominação: dando mais “responsabilidade”, mais autonomia? O poder colonial deve renovar os representantes de gestão de suas instituições em nosso país: colocá-los sob controle fingindo brincar de democracia: convocatórias à gendarmaria a cada turno, julgamentos, eleições, chantagem, forçando alguns a se demitir;

Mas os trabalhadores, o povo de Guadalupe, não disseram sua última palavra, porque com seus sindicatos, sustentados pela LKP, as organizações, as associações do país, sempre combateram por todos os meios a situação que lhes foi imposta.

Os trabalhadores, o povo de Guadalupe, o demonstraram através de uma abstenção massiva nas últimas eleições (mais de 70% de abstenção).

Os trabalhadores, o povo de Guadalupe, o demonstraram através de numerosas greves e mobilizações vitoriosas, principalmente na Kanal +, no SIAEAG, nas Comunidades, na EDF, nos Correios.


Contribuição do Secretário-Geral do SUD PTT GWA (Sindicato dos Funcionários dos Correios)

“A realidade de Guadalupe é: 60% dos jovens de menos de 25 anos desempregados, 35% da população ativa sem emprego, 25% da população é analfabeta, 100.000 pessoas vivem abaixo da linha de pobreza. Como se surpreender com a constatação deplorável de que a violência não faça parte de nosso cotidiano?

Claro, precisamos de policiais para manter a ordem na sociedade, mas o trabalho não é o remédio para todos esses males? É evidente que poucos estão preocupados com isso. Assim, nos Correios de Guadalupe, notamos que, conforme as reorganizações avançam, os cortes de empregos são em grande quantidade. Uma verdadeira política implementada em nome da rentabilidade e do lucro pelos capitalistas apoiados pelos diversos governos, sempre fiéis à manutenção do sistema colonial.

Neste contexto, estamos elaborando uma acusação do avanço mortal do capitalismo, em particular no nível do serviço público dos Correios. Nos últimos anos, assistimos a um desmantelamento acelerado do serviço público dos Correios em Guadalupe, sem ter em conta a situação económica, social e cultural da nossa economia. Nós somos sempre tratados como colônias. Nós somos confrontados às reorganizações sem adaptação para nosso país e cujo único objetivo é a supressão massiva dos postos de trabalho e por consequência o aumento do desemprego e o êxodo da juventude guadalupense. Nós somos confrontados à estratégia do sistema capitalista de“substituir o homem pelo número”. A redução da massa salarial e, especialmente o fechamento e transformações de escritórios dos Correios (APC, RPC, MFS). A utilização abusiva da subcontratação (trabalho temporário). Uma destruição do ofício histórico de carteiro sob o pretexto da modernização.  Agrupamento e realocação de serviços para Paris. Estas transformações põem em questão os ganhos sociais conquistados através de longas lutas. Nesse avanço sem precedentes do capital, são os proletários que sofrem, pela desumanização, infantilização, o declínio progressivo das classes modestas.

Para a nossa organização, apenas a luta de classes e de massas pela transformação social permitirá a emancipação da classe trabalhadora”.

Os trabalhadores, o povo de Guadalupe, também estão demonstrando isso através da preparação da greve geral que começa em 9 de setembro de 2021. Todos os sindicatos, apoiados por organizações políticas, incluindo LKP, e associações, convocam a greve geral contra a obrigação da vacina, contra o passe sanitário e para denunciar a gestão da quarta onda em Guadalupe.

É uma mobilização que começou em julho passado, com encontros, comícios e manifestações em quase todos os municípios de Guadalupe.

As caravanas percorreram todo o território no sábado, 28 de agosto, para distribuir folhetos e atender a população.

A última reunião na cidade de PetitBourg, cujo prefeito Guy Losbar é também presidente do Conselho Departamental, reuniu vários milhares de pessoas neste sábado, 4 de setembro de 2021.

Os bombeiros estão na linha de frente em face da crise de saúde e estão mobilizados há várias semanas. Eles exigem mais recursos e se opõem à implementação da obrigatoriedade da vacinação.

É na sede do SDIS (Serviço Departamental de Incêndio e Resgate), onde os bombeiros sindicalizados com a Força Trabalhadora começaram a greve há uma semana, que os sindicatos, apoiados por organizações políticas, incluindo LKP,  lançaram a convocação para uma greve geral nesta quarta-feira, 1º de setembro, em uma conferência de imprensa.

Pais de alunos e professores também estiveram presentes para pedir mais recursos humanos e materiais para garantir um retorno seguro às escolas.

Os trabalhadores, a pedido de seus sindicatos, estão começando a se organizar dentro de suas empresas.


Na saúde

Trechos do folheto convocando a mobilização da UTS-UGTG, Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, filiado ao Sindicato Geral dos Trabalhadores de Guadalupe.

“.. Guadalupenses, Trabalhadores de Saúde, Hospital, Clínica, EHPAD, Serviços de Assistência Domiciliar e Manutenção, Farmácias e Gabinetes Médicos, Laboratórios TODOS EM GREVE QUINTA-FEIRA, 09 DE SETEMBRO DE 2021.

Camaradas, (…..) Mais de 600 mortes, portanto, principalmente devido a doenças (obesidade, insuficiência renal crônica, insuficiência cardíaca, hipertensão arterial, doença falciforme, deficiência imunológica relacionada à idade); Doenças que incapacitam, doenças para as quais mais de 100.000 guadalupenses tomam todos os dias os medicamentos.

Camaradas, chegou a hora de lembrarmos à oposição que enfrentamos na CHU, na CHBT, (…) para obter o respeito aos direitos dos pacientes.

E como os diretores de estabelecimentos e associações públicas e privadas justificaram as restrições de pessoal e acesso a treinamento, o fechamento de leitos, descargas prematuras, restrições de equipamentos e materiais, restrições orçamentárias, pelas exigências do sistema de preços baseado em atividades. . ( . . .) . .

Camaradas, chegou a hora de dizer-lhes que as vacinas que eles querem aplicar em todos nós, pacientes e funcionários, não podem absolvê-los de sua responsabilidade civil e criminal, na inacessibilidade aos cuidados e a recusa de tratamento e cuidados da qual eles foram os arquitetos. (…)

Nós exigimos:

A suspensão de todos os procedimentos, ameaças, pressões, intimidações contra agentes de serviço, estabelecimentos de saúde e assistenciais que se recusem por motivos pessoais, éticos ou médicos a submeter-se à vacinação obrigatória e ao passe sanitário.

A aplicação do Acordo Coletivo de Transporte Médico;

O fim de toda precariedade nos estabelecimentos e serviços de saúde em termos de emprego, remuneração, segurança e carreira profissional.

Respeito pelas prerrogativas dos órgãos de representação do Pessoal.

O respeito pelo direito de todos à segurança no trabalho, à qualidade de vida no trabalho, ao equilíbrio entre a vida privada e o dever profissional.

  • QUINTA-FEIRA 09 DE SETEMBRO às 6 horas: reunião em frente aos estabelecimentos.
  • SEXTA-FEIRA, 10 DE SETEMBRO DE 2021 às 6 horas: reunião em frente ao CHU.

À Pôle Emploi

Todos os sindicatos presentes na Pôle Emploi[4] pedem uma greve geral. Para organizar a mobilização, um calendário de reuniões e encontros informativos sobre todas as agências e locais do Pôle Emploi foi estabelecido pelas lideranças sindicais. Também foi realizada uma videoconferência, pois a principal consequência do teletrabalho é o afastamento dos colaboradores de suas instalações. Os métodos de controle devem, portanto, ser adaptados ao contexto e à situação de saúde.

Os sindicatos lançaram palavras de ordem e construíram uma plataforma de demandas em torno de:

Não à divisão dos trabalhadores!

Não à obrigatoriedade de vacinação e passe de saúde para PEGIN!

Sim ao cuidado de crianças menores de 16 anos de agentes que não fazem teletrabalho!

Sim ao respeito pela privacidade dos agentes!

Sim para a estabilidade do pessoal com contratos a prazo fixo!

Sim aos aumentos salariais para todos!

Sim à promoção automática dos agentes de direito privado!

Sim à manutenção das prerrogativas da Comissão Conjunta

Único Local!

Os sindicatos já realizaram uma série de reuniões de agentes e locais do Pôle Emploi. Duas reuniões finais serão realizadas na terça-feira, 7 de setembro de 2021, na filial Ste Rose, e quarta-feira, 8 de setembro, na filial Morne à l’eau.

Uma convocação unificada para uma greve geral foi lançada para quinta-feira, 9 de setembro de 2021 pelos sindicatos.

Este documento sobre os danos causados ​​pelo capital em nosso país, e as batalhas que daí decorrem, é a nossa primeira contribuição para o alcance global desta denúncia do capital.



[1] Nas Antilhas francesas, um beke é um branco crioulo descendente dos primeiros colonizadores.

[2] Promulgado em 1685 por Luís XIV, o Código Negro foi redigido por Colbert para benefício dos colonos escravagistas.

[3] Consultar o artigo no site do UGTG http://ugtg.org/spip.php?page=imprimer&id_article=1990

[4] Pôle emploi é uma instituição administrativa pública encarregada do emprego na França.


Baixe aqui o arquivo original.

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