Uma Reforma Tributária para colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda!

Contribuição ao Encontro Nacional do Diálogo e Ação Petista 2023

Alcides Pinto e Alberto Handfas

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – coordenadoria de seguridade social -, o Brasil está entre os dez países mais desiguais do mundo.  (Agência Senado, em 12/03/2021).

Para se ter uma ideia de quantidade, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística apresentou os seguintes resultados: “Em 2021, considerando-se as linhas de pobreza propostas pelo Banco Mundial, cerca de 62,5 milhões de pessoas (ou 29,4% da população do país) estavam na pobreza. Entre estas, 17,9 milhões (ou 8,4% da população) estavam na extrema pobreza. Foram os maiores números e os maiores percentuais de ambos os grupos, desde o início da série, em 2012.” (Agência de Notícias – Síntese de Indicadores Sociais, em 05/12/2022).

O relatório de desigualdade mundial de 2022 – elaborado pelo Laboratório da Escola de Economia de Paris – confirma que 1% dos brasileiros mais ricos são donos de metade da riqueza nacional, enquanto a metade dos brasileiros mais pobres detém menos de 1% da riqueza.

Boa parte desta desigualdade obscena é causada pela perversamente injusta regressividade da estrutura tributária no país: quanto mais rico, menos se paga impostos como proporção da renda e da riqueza. No Brasil, mais de 50% da carga tributária advém de impostos indiretos, sobretudo aqueles que incidem sobre o consumo da cesta básica (contra 17% nos EUA). E menos de 25% de tal carga advém de impostos diretos sobre renda, lucros, propriedade e ganhos de capital (contra 65% na Dinamarca, 62% na Nova Zelândia, 59% nos EUA ou 52% na Coréia do Sul). 

Assim, pessoas que recebem até 2 salários-mínimos, comprometem mais da metade de sua renda com impostos (no caso, indiretos, que pagam simplesmente ao comprar os bens da cesta básica). Já o seleto grupo de 20 mil pessoas que recebe mais que 320 salários-mínimos pagou apenas 5,25% de imposto de renda em 2021 (segundo o Sindifisco Nacional). Isso porque a renda dos mais ricos é recebida na forma de lucros e dividendos, isentos de tributação desde 1995, como veremos adiante.

Uma história de regressividade tributária

O sistema tributário brasileiro sempre foi historicamente um dos mais regressivos do mundo, herança de uma sociedade com enormes desigualdades em que as classes dominantes, concentradoras das riquezas e da renda, lograram manter instituições de Estado profundamente antidemocráticas, herdadas do passado colonial e escravagista do país. Eventuais avanços, mesmo que limitados, de progressividade tributária resultantes das pressões dos movimentos sociais foram sempre revertidos na sequência por tais instituições reacionárias.

Com o Golpe de 1964, os governos militares, rebaixaram as faixas superiores de tributação da tabela de imposto de renda (que, antes do golpe, chegou – por um curto período – a cobrar 65% da renda dos mais ricos). Da Constituinte de 1988 até o final daquela década, as alíquotas superiores foram ainda mais reduzidas e a arrecadação passou a depender cada vez mais de impostos indiretos e regressivos. Ademais, a cobrança deles se dava em cascata e na origem (nos estados mais industrializados) e não no destino (onde os bens são consumidos), aprofundando a concentração regional da renda.

O governo FHC levou tal regressividade a seu paroxismo. Com o “sucesso” inicial do forte ajuste fiscal (corte de gastos) que preparou a implementação do Plano Real em 1994, seu governo se sentiu à vontade para aliviar a cobrança do IRPF. E aproveitou para aprovar uma reforma do IRPJ (imposto de renda às empresas) em 1995 (Lei 9249) que reduziu a alíquota sobre o lucro tributável de 43% a 25%, aliviando mais acentuadamente faixas superiores de lucro.

Pior: a nova lei passou a isentar de Imposto de Renda as remessas de lucros e dividendos de multinacionais estrangeiras ao exterior, uma renúncia tributária acumulada de cerca de US$ 110 bi. Algo que só acentuou a evasão fiscal por meio de remessas ao exterior que já vinha sendo praticada desde a profunda desregulamentação financeira, cambial e de fluxos de capitais decorrentes da liberalização – abandono completo de qualquer controle – de fluxo de capitais internacionais (implementada em parte por Collor e sobretudo por FHC). Transferências a paraísos fiscais em contas “offshore” (visando evitar pagamento de impostos) tornaram-se prática corrente entre bilionários, grandes empresários e grandes especuladores financeiros em geral. Grandes empresas (nacionais e multinacionais) passaram a se utilizar de tais contas “offshore” para – por intermédio de artifícios contábeis – fugir do fisco.

A mesma lei ainda autorizou empresas a deduzirem, supostamente como “despesa financeira” (fictícia) para o cálculo do lucro tributável pelo IRPJ e pela CSLL, a distribuição de lucros por elas feita para seus acionistas na forma de “Juros sobre o Capital Próprio” (JCP). Com tal dispositivo, o setor bancário, por exemplo, conseguiu reduzir a carga tributária total sobre seu trilionário lucro nos últimos 10 anos a um mísero 14,3% (quando as alíquotas máximas somadas do IRPJ e CSLL seriam 34%). Os acionistas receberam metade dos lucros das instituições financeiras na forma de JCP, livre de impostos (de acordo com estudo do prof. Paulo Pêgas/Fipecafi).

E, por fim, a lei de FHC isentou de IR os lucros e dividendos aos acionistas de empresas brasileiras ou estrangeiras. Foi uma das maiores renúncias de impostos sobre renda (do 0,5% mais rico) feitas na história. 

Enquanto isso, as altíssimas taxas de juros (usadas para atrair dólares, a “âncora do real”) fizeram a dívida pública quase triplicar em termos reais durante os dois mandatos de FHC (1995-2002). Para “fechar o buraco”, novos ajustes fiscais (com cortes de gastos sociais) passaram a ser combinados com aumentos ainda mais abusivos da carga tributária sobre os mais pobres – tanto com elevação (e criação de novos) impostos indiretos, quanto com elevação da alíquota real paga pelas faixas inferiores do IRPF (já que sua tabela passou a ficar sistematicamente defasada frente à inflação).

Hoje, um trabalhador que ganha R$ 4.7 mil precisa pagar o mesmo percentual (27,5%) de imposto sobre sua renda à pessoa física que um magnata bilionário, mas na prática este último paga muito menos, já que seu rendimento na forma de lucro/dividendo é isento de tributação. Além, é claro, do magnata dispor de vários outros instrumentos de evasão (paraísos fiscais).

Isso tudo, para não mencionar a nunca tocada proteção ao grande latifúndio (hoje também conhecido pela alcunha de agronegócio). O ITR (imposto sobre propriedade rural) segue sendo extremamente reduzido, representando 0,1% da arrecadação tributária federal. Isso, sabendo-se que tal agronegócio emprega pouco, gera enormes danos ambientais e é extremamente lucrativo – sendo responsável por 23% do PIB e 46% das exportações.

Quais mudanças tributárias interessam ao povo?

Nestas condições, o povo pobre e carente de serviços públicos necessita que os mais ricos sejam muito mais tributados, simples assim!

Desde 1988, a Constituição do Brasil prevê a instituição do Imposto sobre as Grandes Fortunas, até hoje não criado, devido à obstrução permanente dos representantes dos próprios super-ricos no Congresso Nacional. Ao longo do tempo, conseguiram aprovar diversas medidas de esvaziamento da progressividade da tributação, como visto acima. 

Conforme o Instituto de Justiça Fiscal, diversos projetos de lei – que contam com o apoio de parlamentares do PT, PCdoB, PSOL, PDT, PSB e Rede, e de centenas de entidades sindicais e populares -, foram protocolados na Câmara dos Deputados, em 02/09/2021. Trata-se da campanha Tributar os Super-Ricos:

  1. Projeto de Lei ordinária para correção das distorções do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) – revogação da isenção dos lucros e dividendos distribuídos, fim da dedução dos juros sobre o capital próprio, elevação do limite de isenção para baixas rendas e criação de nova tabela de alíquotas progressivas;
  2. Projeto de Lei complementar para instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) para riqueza de pessoas físicas que ultrapassarem R$ 10 milhões;
  3. Projeto de Lei ordinária para elevação da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) do setor financeiro e do setor extrativo mineral;
  4. Projeto de Lei ordinária para criação da Contribuição Social sobre Altas Rendas das Pessoas Físicas (CSAR), incidindo sobre rendas anuais que ultrapassarem R$ 720 mil;
  5. Projeto de Lei complementar para retirar da composição dos tributos sobre as microempresas e empresas de pequeno porte, o IRPJ e a CSLL relativamente às faixas de receitas inferiores a R$ 360 mil anuais;
  6. Projeto de Lei ordinária para instituição de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE-Agrotóxico) incidente sobre a produção e importação de agrotóxicos e afins.

Mas, a questão que se coloca é: como aprovar tais projetos, que atendem aos anseios da grande maioria da população, na atual composição do Congresso Nacional, a mais reacionária das últimas décadas? O Centrão, com apoio da mídia, dos ruralistas e do grande capital, já anunciou que pretende votar já em julho de 2023 uma “reforma” (PEC-45) que se limita a “simplificar” os impostos sobre consumo (criando um único Imposto de Valor Agregado federal/estadual-municipal). Não se tocará na questão da progressividade (imposto sobre rendas e fortunas); tema, que o ministro Haddad – por pressão do Centrão – acabou aceitando em deixar para uma outra lei a ser discutida depois. Duvidoso achar que, apenas após aprovar (já em julho) o que quer, a maioria reacionária do Congresso se disporá a votar uma reforma progressiva. Só o povo na rua pode destravar essa situação.

Organizar a mobilização unificada

É necessário unir todas as forças vivas do povo trabalhador para que o governo Lula cumpra seu mandato! É preciso denunciar, explicar, discutir e organizar uma mobilização unificada, reafirmando os compromissos da campanha eleitoral de 2022. Uma campanha nas ruas para retirar das costas da maioria do povo trabalhador o grosso da carga tributária, fazendo os bilionários e especuladores pagarem mais impostos; o que garantirá inclusive mais receitas aos serviços públicos de maneira a colocar definitivamente o pobre no orçamento. Receitas que, por outro lado, não podem ser limitadas (e desviadas para o pagamento dos juros da dívida pública) por regras como as contidas no Teto Temer, ou mesmo no Novo Arcabouço Fiscal que o Congresso está aprovando.

Será com esta mobilização popular para defender e recuperar os direitos sociais, que abriremos o caminho do desenvolvimento nacional, com a criação de novas instituições políticas verdadeiramente baseadas na soberania popular.

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