Dossiê: Artur Lira, o Judiciário e o controle do Orçamento
Na abertura do ano legislativo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), buscando justificar o aumento dos valores destinados a emendas parlamentares e mostrar ao mesmo tempo indignação com o veto de Lula (PT) a emendas de comissão sentenciou: “O Orçamento da União pertence a todos e todas e não apenas ao Executivo.” Lira reage à um tímido veto de R$ 5,6 bi, nas emendas de comissão, pouco se comparado aos já sancionados R$ 56 bi destinados a gastos indicados por parlamentares. Ocorre que a disputa sobre a “propriedade” do orçamento também se dá dentro do judiciário, com menos embaraço.
No parlamento, a fatia do orçamento da União cativa de deputados e senadores quintuplicou em 10 anos. Segundo levantamento feito pelo jornal O Globo, em 2014 a fatia era de R$ 4,65 bilhões; em 2024, saltou para mais de R$ 20 bi. Lira, ao mesmo tempo que gera atritos com o Executivo tentando garantir mais recursos num ano eleitoral, deixa claro que segue comprometido com propostas da área econômica consideradas prioritárias pelo Planalto, como a regulamentação da Reforma Tributária. Também pudera, a reforma, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB) do Centrão, é firmemente apoiada pelas grandes entidades patronais brasileiras (da Febraban à Fiesp, CNI, multinacionais e ruralistas).
No judiciário, o controle do orçamento é mais direto. Afinal a cúpula da magistratura tem numa mão a caneta, e na outra, a chave do cofre. É fato que o patrimonialismo (falta de distinção entre o patrimônio público e privado) faz parte da história do poder judiciário brasileiro, contudo chama a atenção a similaridade com a escalada no legislativo.
Fora do teto e sem imposto
O teto constitucional do funcionalismo público é de R$ 46.366,19. Este valor corresponde ao subsídio de um juiz ministro do STF. Entretanto, este teto é ultrapassado pela própria magistratura com a autoconcessão de benefícios.
No final de outubro de 2023, Luís Roberto Barroso, presidente do STF, aprovou no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) resolução que permite a equiparação dos benefícios recebidos por juízes e integrantes do Ministério Público da União (MPU).
Esta equiparação permitiu trazer do MPU o “direito” dos juízes federais a até dez folgas por mês ou compensação equivalente em dinheiro por conta de “atividades administrativas ou processuais extraordinárias”. Em valores este pagamento ultrapassa os R$ 11 mil mensais, sem imposto de renda ou contribuição previdenciária por se tratar de verba indenizatória. Este “direito” logo se espalhou para a Justiça do Trabalho e tribunais de justiça por todo o Brasil. Até mesmo os membros do Tribunal de Contas da União (TCU), que não fazem parte do poder judiciário, viram similaridade neste “direito” e também se autoconcederam. Nas unidades judiciárias, este “direito” gerou uma correria de magistrados para participação em comissões de forma que se não todos, uma grande maioria, “acumulasse” funções administrativas.
“Sem impacto financeiro extraordinário”
A explicação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) sobre o impacto financeiro da medida é uma confissão inequívoca do patrimonialismo. A entidade que reúne juízes federais e estaduais afirmou que a resolução não provocaria “qualquer impacto financeiro extraordinário, uma vez que eventuais despesas se darão dentro dos orçamentos dos tribunais”. Ou seja, o dinheiro já está aqui com a gente…
Mas essa onda não para por aí. A magistratura federal e estadual tem até mesmo ressuscitado benefícios extintos há quase duas décadas para aumentar sua remuneração. Vários ramos do judiciário, gozando da autonomia administrativa e financeira, aprovaram a volta de quinquênios de forma retroativa. Este adicional equivale a um acréscimo de 5% a cada 5 anos trabalhados.
Somente o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) pagamentos feitos entre maio de 2022 e abril de 2023, de forma retroativa a 2006, carreou para a magistratura R$ 677 milhões. No Judiciário e no Ministério Público, estas vantagens custaram R$ 9,3 bi em 2023, segundo a Transparência Brasil. A conta inclui auxílio-moradia, licenças compensatórias e gratificação por acúmulo de serviço.
De um lado, vantagens; De outro, uma política
A onda de ganhos não é dissociada de outra característica, similar ao que ocorre no legislativo. Ao mesmo tempo que a remuneração cresce há uma decisão clara de garantir a manutenção do núcleo das reformas aprovadas por Temer (MDB) e Bolsonaro (PL).
Duas semana após a eleição de Lula, em que a maioria do povo brasileiro rechaçou a política de Bolsonaro, João Dória reuniu em Nova York diversos ministros do STF e porta vozes do “mercado”. Sob o tema “Brasil e o respeito à liberdade e à democracia”, o evento do ex-governador de São Paulo contou com Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto, ex-ministro e ex-presidente do STF e Antonio Anastasia, ministro do TCU.
Lewandowski fala
Na ocasião, Ricardo Lewandowski, agora ministro da justiça de Lula, com objetivo de mostrar aos empresários nacionais e estrangeiros o quanto o Brasil é “seguro” para o capital, apontou: temos “marcos regulatórios que permitem que os empresários prevejam suas ações (…)”, “temos a lei de responsabilidade fiscal (…), temos a lei das estatais (…), fizemos (sic!) recentemente uma reforma trabalhista (…), estabelecemos uma emenda constitucional em que fixamos um teto de gastos para despesas públicas (…).” Tudo, segundo ele, para garantir a “tranquilidade de todos aqueles que queiram investir no Brasil”.
De fato, o STF em junho de 2020 votou por 7 votos a 4 a constitucionalidade da Lei de Terceirização, além de ter recusado os vários recursos contra a Reforma da Previdência e a Reforma Trabalhista.
A disposição de garantir as reformas, nas palavras de Lira “não aceitar retrocessos”, gera atritos até mesmo dentro do judiciário. A negativa do STF em aceitar o vínculo entre trabalhadores e empresas de aplicativos, reconhecido em vários tribunais, levou o Supremo a tentar reduzir a competência da Justiça do Trabalho sobre o tema, com alguma resistência de juízes, advogados e sindicatos.
O realismo recomenda alertar o quão perigoso é o acomodamento do governo a estas instituições. Os mesmos poderes que golpearam o povo em 2016, mantiveram Lula preso e abriram a via para Bolsonaro não estão dispostos a reverter os ataques aos direitos, estabelecer a soberania nacional e os milhões de brasileiros jogados na miséria. Com esse congresso e com esse judiciário não dá, a mudança só virá se dermos a palavra ao povo, com uma Constituinte Soberana, unicameral, eleita pelo voto proporcional, em lista, com financiamento público exclusivo.
Emílio Oliveira