O coro dos contentes
Entidades patronais fazem terrorismo econômicos para barrar o debate sobre o fim da escala 6×1. Para elas, a redução da jornada de trabalho provocaria quebradeira e demissões.
AUTOR: Bernardo Mello Franco, O Globo, 19/11
A Confederação Nacional do Comércio adverte: reduzir a jornada de trabalho pode provocar uma “onda de demissões” no país.
Desde a semana passada, entidades patronais fazem alertas, ameaças e previsões catastróficas. O objetivo é interditar o debate sobre o fim da escala 6×1, em que o trabalhador tem apenas um dia de descanso por semana.
O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, Paulo Solmucci, classificou a proposta como uma “ideia estapafúrdia”. “Já estamos com dificuldades enormes com trabalhadores”, esbravejou.
O presidente da Federação do Comércio de Minas Gerais, Nadim Donato, projetou uma quebradeira de pequenas e médias empresas em todo o país. “Essa mudança terá consequências graves, fazendo com que elas fechem as portas”, garantiu.
O presidente do conselho de relações do trabalho da Confederação Nacional da Indústria, Alexandre Furlan, definiu a redução da jornada como uma “conta que não fecha”. O vice-presidente da Federação das Indústrias do Rio, Antonio Carlos Vilela, falou em “risco ao crescimento do nosso país”.
Além de ameaçar com demissões em massa, a Confederação Nacional do Comércio sustentou que o fim da escala 6×1 prejudicaria “justamente aqueles que a medida propõe beneficiar”. A preocupação com os trabalhadores é comovente, mas faltou explicar se eles foram consultados sobre tudo isso.
A defesa da redução da jornada é tão antiga quanto a luta de classes. Já aparecia nas faixas da greve geral de 1917, quando operários se revoltaram contra a obrigação de passar no mínimo 12 horas por dia nas linhas de montagem.
Sua versão mais recente foi lançada por Rick Azevedo, um tocantinense que ralou como faxineiro, garçom, frentista e balconista de farmácia. Sem o megafone das entidades empresariais, ele apostou no TikTok para reclamar da rotina massacrante e mobilizar outros trabalhadores exaustos e mal remunerados. O desabafo o elegeu vereador no Rio e inspirou uma Proposta de Emenda à Constituição, assinada pela deputada Erika Hilton.
O texto prevê a adoção da semana com quatro dias de trabalho e três de descanso, o que parece impossível de ser aprovado neste momento. Mas o objetivo da artilharia em curso é bloquear qualquer debate que vá na contramão das últimas alterações nas leis trabalhistas. Apresentadas como reformas modernizadoras, elas só enfraqueceram os sindicatos e retiraram direitos dos assalariados.
Em 1871, associações de fazendeiros martelavam que a Lei do Ventre Livre esvaziaria as lavouras e destruiria a economia do Império. Queriam disseminar o medo para sufocar a pressão por mudanças e manter a ordem escravista.
Além de apelar ao terrorismo econômico, os contentes com a escala 6×1 apostam no lobby em Brasília. O presidente da associação de bares e restaurantes disse ter apoio de uma frente parlamentar “muito forte”, que impediria qualquer redução da jornada de trabalho. “Tenho certeza que essa frente de quase 300 parlamentares não vai deixar prosperar”, decretou.