Especulação nos mercados, fraude nos bancos e podridão nas instituições da República

Na semana passada, o Banco Central decretou a liquidação do banco Master logo após a Polícia Federal (PF) ter prendido seu acionista majoritário, Daniel Vorcaro. Ele foi pego no aeroporto, prestes a embarcar ao exterior em seu jatinho particular. Mas, desde ontem, foi libertado com tornozeleira eletrônica junto com quatro cúmplices detidos pela “operação Compliance Zero”.

O rombo financeiro da instituição é um dos maiores da história do Brasil. Parte das perdas ficarão com clientes e credores do banco, outra inclusive será socializada, no limite, com todo o povo. Trata-se de mais um golpe financeiro que, aliás, envolve profundamente não apenas o Centrão e a direita, mas as instituições da República.

O Master teve uma vertiginosa expansão. Somente entre 2020 e 2024, os ativos do banco saltaram (em valores de hoje) de R$ 5,1 bilhões a R$ 66,5 bilhões. Enquanto os ativos dos quatro maiores bancos comerciais brasileiros (Itaú, Banco do Brasil, Bradesco e Santander) cresciam no mesmo período a uma taxa média de 4% ao ano, os do Master disparavam a uma taxa anual superior a 66%. Será que ninguém viu isso no mercado?

Daniel Vorcaro

Vorcaro e seus sócios obviamente não tinham recursos próprios para aportes de tal monta. O inchaço fora apenas viabilizado por meio de uma frenética tomada empréstimos para lá de irresponsáveis. E com essa crescente massa de dinheiro concedida compravam ativos ultra especulativos e arriscados. Os banqueiros tampouco buscaram reduzir a crescente exposição de sua instituição ao risco, nem mesmo quando sua insolvência financeira foi se tornando evidente. Ao invés, foram acionando, cada vez mais descarada e agressivamente, seus operadores políticos – sobretudo lideranças parlamentares, governadores e prefeitos bolsonaristas e do Centrão – visando usar recursos públicos ou de servidores para salvar suas jogatinas criminosas.

Vorcaro veio de uma família mineira de empresários medianos do ramo da construção civil, e associados a uma igreja evangélica. Desde jovem, iniciou, quebrou e/ou desistiu de vários negócios – de editora didática a fundos de investimentos em cemitérios, passando por time de futebol (Atlético Mineiro). Com a falência fraudulenta do Banco Máxima em 2016, cujo proprietário fora também parceiro de Vorcaro, ele comprou a instituição, rebatizou-a (Banco Master) e obteve autorização do Banco Central para reiniciar suas operações como banco múltiplo dois anos depois.

A partir daí, passou a comprar bilhões de reais em ativos financeiros extremamente arriscados e duvidosos ou com baixa liquidez (difíceis de serem vendidos ou terem lucro realizado), como empresas quebradas e precatórios. Para tanto, o banco alavancava-se vorazmente; ou seja tomava dinheiro emprestado, oferecendo a credores pagar a dívida com juros muito superiores à média do mercado. Para atrair “investidores” dispostos a lhes emprestar tanto e tão rápido, o Master, sobretudo a partir de 2019/2020, começa a emitir CDBs (Certificados de Depósitos Bancários – títulos de dívida de bancos) com rendimentos de 30% a 50% superiores à taxa Selic do Banco Central. Algo, portanto, até 50% superior ao que CDBs de demais bancos em média pagam.

Com o crescente fluxo de empréstimos tomados, o banco passou a comprar dois tipos de ativos em particular. Primeiro, adquiria firmas em situação pré-falimentar com o suposto propósito de saneá-las financeiramente, para revende-las mais adiante a um valor muito superior ao da compra. Se a recuperação ocorresse e a subsequente revenda turbinada se realizasse, a operação seria de fato muito lucrativa. Mas, a probabilidade disso ocorrer era – como se pode imaginar – muito menos animadora do que frustrante.

Segundo, o Master passou também a freneticamente comprar outros tantos bilhões em precatórios, que são documentos emitidos pela Justiça determinando que um órgão público (federal, estadual ou municipal) pague ao setor privado dívidas – à empresas fornecedoras, trabalhistas ou previdenciárias. Elas têm seu pagamento garantido pela Justiça, mas a data e as condições do mesmo nem sempre são certas. Um governo ou órgão pode forçar a prorrogação de sua liquidação. Bolsonaro, por exemplo, com a PEC dos Precatórios (2021), adiou o pagamento de dezenas de bilhões de reais, para poder realizar despesas eleitoreiras sem ultrapassar o Teto de Gastos.

Credores privados, detentores de tais Precatórios, que necessitem receber com urgência ao menos parte do montante devido, podem vendê-los a um banco mediante um desconto. Por exemplo, se a dívida a receber é de R$ 100, o banco paga R$ 70 de imediato ao credor pela aquisição de seu Precatório. Tal banco receberá R$ 100 do governo quando o mesmo honrar a dívida precatória, um bom lucro, mas que pode demorar a chegar. E, por isso mesmo, não é tão rápido ao banco achar alguém para revender Precatórios caso queira deles se livrar antecipadamente. Ou seja, trata-se de um ativo pouco líquido e de rentabilidade demorada.

Importante lembrar que, em 2019/2020, quando o Master iniciou sua corrida por tomada de empréstimos, pagando juros muito elevados, a taxa média do mercado estava em patamares historicamente muito baixa, já que a taxa Selic girava em torno de 3%, pois o país estava enfiado em uma profunda recessão econômica. Enquanto a maioria dos bancos pagavam essa taxa a seus credores, o Master pagava até 50% a mais, 7,5% que não era tanto assim. Entretanto, a partir de fins de 2021, a Selic disparou, até chegar ao atual 15%, forçando CDBs do Master a pagar até 22,5%.

Com um passivo explosivo assim, e um ativo ilíquido e sobretudo de valor muito duvidoso, a instituição foi rapidamente se tornando insolvente. Algo perceptível – e comentado na própria imprensa – já há quase dois anos. Algo que Vorcaro e seus parceiros respondiam com novas e mais agressivas rodadas de emissões de empréstimos, CDBs e outros títulos pagando altíssimo juros. Uma espiral especulativa similar aos esquemas de golpe da pirâmide financeira: a “solução” ao endividamento é tentada na busca por novos incautos, aventureiros e especuladores dispostos a emprestar mais e mais a um banco que, assim, se endivida aceleradamente num ciclo vicioso em direção a um inevitável colapso.

O Banco Central (BC) deveria ter intervido no Master ou ao menos barrado suas operações mais temerárias há tempos. Desregulamentações operadas durante o governo Bolsonaro, junto com certa postura complacente da gestão de Roberto Campos Neto no BC, devem explicar a leniência da autoridade monetária-financeira. Foi em tal gestão que uma nova leva de medidas liberalizantes do mercado cambial e para as criações de “fintechs” foi colocada em marcha. As medidas desregulamentadoras vem da reação à crise financeira mundial de 2008. As fintechs (Financial Technologies) são empresas financeiras virtuais (sem agências físicas) que atuam como quase bancos, mas não precisam cumprir com várias exigências a eles impostas. Elas têm se tornado alvo de operações altamente especulativas e parte delas, inclusive, passou a servir de elo com o crime organizado.

Ao deixar a presidência do BC, Campos Neto ganhou cargo de vice-presidente (“vice-chairman”) do NuBank – a mais importantes das fintechs. E o ex-diretor de Regulação do BC, que ajudou a arquitetar a desregulamentação das fintechs, foi contratado por essa mesma instituição privada para ser “Consultor para Assuntos Regulatórios e de Gestão de Risco”.

Enquanto isso, Vorcaro comprava apoio de políticos da direita, sempre muito dispostos a se corromper. Sua tropa de choque em Brasília é poderosa e capaz de controlar boa parte do Congresso. Ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro e atual presidente do PP, o senador Ciro Nogueira propusera no ano passado uma emenda de contrabando numa PEC, que quadruplicaria a cobertura do Fundo Garantidor de Crédito – constituído por todos os bancos comerciais para a ser usado para pagar parte das obrigações de um banco que venha a falir – visando obviamente salvar os CDBs do Master.  No início deste ano, fez de tudo para melar uma CPMI que investigaria a tentativa de compra do Banco Master pelo BRB, Banco Regional de Brasília (estatal).

Essa compra foi arquitetada por outros dois operadores políticos de Vorcaro: o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), e o presidente do União Brasil, Antônio Rueda. A aquisição iria forçar o banco público a assumir o prejuízo gerado pela pilantragem especulativa privada. E a transferência de riscos de um banco a outro poderia perigosamente iniciar uma contaminação – num efeito dominó – de várias outras instituições financeiras. Com a negativa do BC para aprovar a compra, Nogueira e outras lideranças de seu partido – como dos deputados Cláudio Cajado e Doutor Luizinho – tentaram aprovar um projeto de lei que daria poderes ao legislativo para demitir a diretoria do BC.  

Por meio do Centrão e da direita, Vorcaro montou uma enorme rede entre parlamentares, governadores e prefeitos. Fez com que vários deles forçassem institutos de previdência, Fundos de Pensão ou empresas públicos (como a estatal Sedae do RJ) a comprarem volumosas quantias de CDBs do Master. No último ano apenas o BRB comprou quase R$ 17 bilhões de ativos de valor duvidosíssimo do Master, dos quais cerca de R$ 12 bi seriam fraudulentos. Dos R$ 3 bilhões de Letras Financeiras (outro tipo título de empréstimo) emitidas pelo banco, R$ 1,8 bi foram enfiados em fundos de pensão, o maior de todos é o dos servidores do RJ.

Há uma relação toda especial do Master com o governador de São Paulo e seu ex-secretário de Segurança, o deputado Capitão Derrite e – ao que indicam as investigações da Operação Carbono Oculto – com o crime organizado. Fundos acusados pela PF de ligações com o PCC, foram dos que mais compraram CDBs e demais ativos podres da Master. Derrite, a pedido do governador Tarcísio, usou de seu posto na relatoria do Projeto de Lei Antifacção, inicialmente proposto pelo governo Lula, para desvirtua-lo inviabilizando nele o combate institucional ao crime organizado, ao retirar poderes da PF e subordiná-la ao comando de governadores.

O cunhado de Vorcaro, o pastor da igreja Bola de Neve, Fabiano Zettel, foi dos maiores financiadores da campanha à reeleição presidencial de Bolsonaro e o maior doador individual da campanha de Tarcísio de Freitas ao governo de SP. O pastor é também dirigente de fundos e empresas, como a Moriah Asset e a Super Empreendimentos, do conglomerado Master. O governador de SP privatizou no ano passado a Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia) para o Fundo Phoenix FIP por R$ 1,04 bilhão. Logo na sequência, a Emae torrou 6% de seu ativo na aquisição de CDBs do Letsbank, banco ligado ao conglomerado do Master.

No último período, Vorcaro passou a tentar – com pouco sucesso – blindagem política para além da direita/Centrão, incluindo aí os Três Poderes. A grande mídia tenta desonestamente igualar o papel – intenso e ativista – dos operadores da direita e do Centrão em favor do Master, com relações eventuais com setores pontuais do governo federal ou do STF, os quais a mídia chama genericamente de “esquerda”.

Em geral, os casos “à esquerda” referem-se supostamente a pessoas, assessorias do então futuro ministro Lewandowski, do escritório da esposa de Alexandre de Morais (STF) ou do ex-ministro Guido Mantega. Sem representação partidária, tais pessoas foram convidadas como consultoras ou advogadas do Master quando não ocupavam cargo público. Ainda que tenha sido infeliz aceitar o convite, não há indício algum de terem em qualquer instância usado de suas posições públicas para favorecer o grupo financeiro. Muito pelo contrário, aliás, foi Lewandowski quem comandou a operação da PF que prendeu Vorcaro e seus associados.

Um caso que merece mais esclarecimento é o do sócio de Vorcaro,  Augusto Ferreira Lima. Ele, que é também amigo de ACM Neto e esposo de ex-ministra de Bolsonaro, comprou a rede de supermercados Cesta do Povo e a empresa Ebal, estatais de abastecimento popular da Bahia, durante o governo Rui Costa (PT). Um dos mais lucrativos ativos adquiridos por Lima foi o cartão de crédito consignado da rede que, ao ser privatizada, foi rebatizado Credcesta. O Master expandiu-o e intensificou a oferta de empréstimos consignados a funcionários públicos baianos, criando uma farta e rentável carteira de crédito pessoal.

O erro do atual ministro de Lula, Rui Costa, foi político e não “ético-moral”. Afinal, deveria ser inaceitável a um petista, privatizar estatais; ainda mais aquelas tão importantes ao povo e ao desenvolvimento socioeconômico da Bahia – e isso independente de quem tenha sido o demônio que as comprou. Mas, o privatismo gera naturalmente ambiente favorável a práticas viciosas. Há que investigar a acusação de que teria havido, posteriormente à privatização, “ajuda do governo Costa à ampliação do uso do Credcesta. O site da área de recursos humanos do governo baiano, informou em postagem de janeiro de 2019 que novos cartões estavam sendo distribuídos a todos servidores sem que fosse necessário pedir” (Poder360, 19/11/2025).

Com sua liquidação, o Master dá o calote em milhões de credores – detentores de títulos de dívida (CDBs, Letras Financeiras etc.) emitidos pelo banco. Cerca de 1,6 milhões de credores com depósitos e investimentos poderão reivindicar o pagamento de garantia de até R$ 250 mil (por pessoa) pelo Fundo Garantido de Crédito. Isso tudo soma aproximadamente R$ 41 bilhões. Os recursos do FGC advêm de uma contribuição mensal obrigatória feita pelos bancos comerciais. De fato, eles descontam uma fração percentual do total dos depósitos e de instrumentos financeiros (inclusive CDBs) oferecidos a seus clientes. Trata-se, portanto, de um custo ao Banco sobre a administração de recursos de seus milhões de correntistas. Até setembro, o patrimônio do FGC era de R$ 153,5 bilhões.

Agora, os bancos comerciais terão de elevar sua contribuição mensal nos próximos anos para recuperar essa gigantesca perda patrimonial do Fundo. Farão isso, sem qualquer margem de dúvida, repassando essa elevação de custo de administração a seus correntistas e clientes – o povo brasileiro.

Nunca foi tão urgente à sobrevivência do Brasil e de seu povo uma profunda Reforma política, que acabe com financiamento eleitoral empresarial, substituída por um financiamento público exclusivo. Nunca foi tão indispensável também casar tal Reforma a outra – também estrutural -, a do sistema financeiro. Uma Reforma que controle movimentação internacional de capitais, desfaça a autonomia do BC frente ao governo eleito pelo voto popular, regulamente fortemente o mercado cambial e aponte para a estatização dos bancos.

Quem vai fazer isso, senão um poder originário com apoio popular, uma Constituinte Soberana? É a única saída para abrir caminho a outras Reformas estruturais – da Agrária e Urbana, passando pela da reestatização e reindustrialização do país; além da revogação das contrarreformas antipovo (trabalhista, previdenciária, fiscalistas) implementadas com o Golpe 2016. Reformas que permitam gerar empregos formais de qualidade e que garantam a recuperação e a necessária expansão dos serviços públicos.

Alberto Handfas

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