Genoíno: “Não podemos conciliar com o Alto Comando das Forças Armadas”
Entrevista publicada na versão impressa do Jornal O Trabalho edição 911
Ex-presidente do PT, deputado Constituinte e por sete mandatos, além de ex-assessor especial do Ministério da Defesa, José Genoíno, que dispensa maiores apresentações à militância petista, tem sido uma voz importante no combate à adaptação do PT às Instituições burguesas do Estado brasileiro. Crítico à política que parece se desenhar para o futuro governo Lula em relação às Forças Armadas, Genoíno conversou com o DAP a este respeito no dia 4 de dezembro. Ele também falou sobre como vê a situação das negociações com Lira e o Orçamento no Congresso.
Diálogo e Ação Petista: Até que ponto chegou a politização das Forças Armadas?
José Genoíno: Essa politização é obra do inominável, desde quando ele lançou a candidatura dele na AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras), em 2014.
Depois houve a intervenção no Rio de Janeiro comandada pelo general Braga Neto, seguida da nomeação de dois oficiais generais para o gabinete do Dias Toffoli, no Supremo Tribunal Federal. E o twitter do general Villas Bôas, em abril de 2018 (na véspera do julgamento de um habeas corpus de Lula no STF, NdR). E a quantidade enorme de generais de quatro estrelas em cargos estratégicos da administração civil.
É o escandaloso exercício da tutela militar, os militares comandando o poder civil.
Essa politização via tutela militar tem que ser rompida. Conciliar com isso seria um grande equívoco.
Como acabar com essa politização?
Não podemos conciliar nem negociar com o Alto Comando das Forças Armadas.
Não podemos conciliar com quem, no Alto Comando, questionou as urnas eletrônicas, o resultado das eleições, embarcou na guerra cultural contra o politicamente correto. Nada disso é papel das FFAA.
É preciso exercer o comando civil sobre as FFAA.
O Presidente deve exercer claramente o papel de comandante supremo das FFAA como está na constituição (Art. 84-b- XIII, NdR). Não se faz acordo com o Alto Comando militar. O que se faz é exercer o comando civil sobre as forças militares por intermédio do Ministro da Defesa.
A desmilitarização do poder civil tem que ser feita de imediato e de uma só vez. Militar da reserva que está exercendo cargo civil tem que ser mandado para casa. Militar da ativa tem que ser mandado de volta para o quartel. Tem que ficar claro e explícito que é o poder civil que manda. Não se faz acordo com o Alto Comando. Acordo se faz com os partidos políticos.
Que reformas deveriam ser feitas nas Forças Armadas?
A primeira coisa é discutir o que é e o que deve ser uma política de defesa. O primeiro problema de segurança do Brasil é enfrentar a vulnerabilidade social em que o país está mergulhado.
Segundo avançar na cooperação regional uma vez que o Brasil não tem nenhum problema militar com seus vizinhos.
Terceiro o acesso a tecnologias sensíveis. Enquanto os militares estão preocupados com urna eletrônica, a guerra da Ucrânia, que os EUA estão movendo por procuração contra a Rússia, mostra que as grandes novidades nas armas de guerra são o míssil e o drone. É com esse tipo de problema que eles têm que se preocupar.
A política de defesa é submeter o poder militar ao poder civil. É inaceitável que os militares queiram ter o monopólio do patriotismo. Inaceitável que queiram tutelar.
Também é preciso estabelecer um regime de quarentena para militares que vão participar da política e não apenas para eles. Para todos os que ocupam funções de Estado, como juízes, promotores, policiais, e vão ingressar na política, é preciso ter quarentena.
Temos que abrir o debate sobre o que é política de defesa nacional.
A divulgação do relatório da Comissão da Verdade, em dezembro de 2014, cristalizou um sentimento antipetista nas Forças Armadas?
O antipetismo nas FFAA vem desde 1985 na transição da ditadura para a Nova República. Não foram passados em revista os crimes cometidos.
A instalação Comissão da Verdade – e seu relatório – foi positiva porque pela primeira vez o Estado brasileiro investigou e denunciou publicamente crimes cometidos por agentes do Estado.
Uma força militar da ONU comandada pelo Brasil, ocupou o Haiti de 2004 até outubro de 2017. Hoje, o presidente Biden, dos EUA, quer envolver novamente o Brasil em nova ocupação. Como responder a isso?
A expedição no Haiti foi um primeiro grande equívoco do primeiro governo Lula que não pode se repetir. Para começar, o problema do Haiti é social, de ausência de políticas públicas e não militar. O Presidente Lula não deve aceitar de modo algum que o Brasil participe de outra expedição ao Haiti. A participação na Minustah foi errada, eu falo até para corrigir a posição que defendi na época a respeito, eu mudei de posição. Foi um erro do governo Lula e esse erro não pode se repetir.
O Presidente Lula vai nomear José Múcio (que foi seu Ministro de Relações Institucionais e depois Presidente do TCU) para Ministro da Defesa. Ele terá condições de restabelecer a disciplina seriamente afetada pelas manifestações políticas de militares da ativa (por exemplo, Pazuello em ato no Rio de Janeiro, declarações golpistas de militares do Gabinete de Segurança Institucional)?
Não quero fulanizar. Quero discutir o processo que está ocorrendo, do qual eu discordo. Com as forças militares não se faz acordo, você comanda. É preciso ter uma autoridade civil em condições de comandar o Alto Comando.
E não podemos seguir a rotina do mais antigo. Quem fez pronunciamento contra as urnas, quem questionou o resultado das eleições, quem se envolveu na guerra cultural promovida pelo inominável não pode ter cargo de comando.
Como você vê o apoio anunciado pelo PT a Lira na negociação da PEC da transição?
A negociação em torno da aprovação da PEC é correta. Precisamos ter recursos para enfrentar a crise social. O que estamos discutindo, na verdade, é o Teto de Gastos.
Mas em relação ao Lira o PT deveria se limitar a dizer que não vai lançar candidato, não vai se envolver na disputa. O PT não deveria se expor declarando que apoia o Lira.
O que o partido deveria fazer é declarar que respeita a regra da proporcionalidade que é a regra da Câmara dos Deputados. Ou seja, a maior bancada indica o presidente. Além disso também não pode deixar de criticar o Orçamento Secreto.
Mas a maior bancada é do PL…
Sim, mas se o PL faz um acordo para indicar o Lira o PT respeitaria esse critério da maior bancada. Quem rompeu com essa regra foram o Severino Cavalcante e o Eduardo Cunha. A Câmara funciona com base na proporcionalidade e é isso que deveria ser respeitado. Não precisava declarar apoio ao Lira.