Do Jordão ao Mediterrâneo, um único Estado democrático
O artigo publicado por Munir Naser (membro da Juventude Sanaúd) e Markus Sokol (economista e membro do Diretório Nacional do PT) no último dia 6 de dezembro na Folha de São Paulo, faz uma reflexão sobre o horror recente que vem se arrastando na faixa de Gaza há quase dois meses. Uma prática que vem acontecendo há mais de 75 anos reflexo da falência da solução dos “dois Estados” —Israel e a chamada Autoridade Nacional Palestina. O texto faz um chamado ao governo Lula para uma escalada de o bloqueio dos contratos militares, convênios culturais e relações comerciais até a ruptura das relações diplomáticas.
Como única saída para os dois povos que ali convivem, os autores defendem um único Estado democrático. Uma proposta esboçada pelo ”One Democratic State Campaing”, que conta com palestinos e judeus como Haidar Eid, professor de literatura em Gaza, e Ilan Pappé, historiador israelense.
Confira abaixo a íntegra do artigo.
Do Jordão ao Mediterrâneo, um único Estado democrático
Bombardeio sobre civis é a expressão de uma ordem internacional esgotada
6.dez.2023 às 22h00
Há quase dois meses é o horror na Faixa de Gaza. Israel rompeu a “pausa” de sete dias, mas, com honrosas exceções, a maioria dos editorialistas repete a narrativa sionista que justifica o bombardeio de civis. Há mais de 15 mil mortos, 6.000 crianças.
Para nós, que aqui assinamos, de origem palestina, um, e de origem judaica, o outro, as crianças estraçalhadas em Gaza são iguais às crianças estraçalhadas no gueto de Varsóvia.
A resistência palestina está de pé. Sucedem-se atos pelo cessar-fogo, dos judeus de Nova York aos muçulmanos de Kerala (Índia), com várias crenças e sem crença. Milhões nas capitais do mundo.
Há manifestos de intelectuais e artistas, entidades médicas e de direitos humanos. No último dia 29, 50 atos expressaram a solidariedade ao povo palestino no Brasil. No dia 30, os sindicatos de portuários europeus fizeram ações de protesto; o porto de Marselha parou uma hora. E, no dia 1º de dezembro, nos EUA, o poderoso sindicato da indústria automotiva UAW pediu o cessar-fogo.
Agências da ONU já se posicionaram, mas como instituição a ONU nada fez de prático. Não obstante, ela define o genocídio como “a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso enquanto tal”. É o que repete Binyamin Netanyahu, armado por Joe Biden, inclusive na limpeza étnica na Cisjordânia.
Nós, que assinamos este artigo, perguntamos: como é possível o bombardeio de civis por dois meses?
Para nós, isso é uma expressão —há outras: fome e miséria, desemprego, destruição do meio ambiente— de uma ordem internacional esgotada, que ameaça arrastar a humanidade para o caos das guerras, o abismo.
Rosa Luxemburgo, revolucionária de ascendência judaica assassinada na Alemanha em 1919, formulou o agudo dilema “Socialismo ou Barbárie”. Nada mais atual. Se a revolução está atrasada, traços da barbárie protuberam.
É um extermínio bárbaro o que estamos vendo em Gaza. E vem de longe. A partilha da Palestina histórica começou em 1917. Lorde Balfour, ministro de Sua Majestade britânica, o ocupante militar, enviou uma carta ao banqueiro Rothschild prometendo-lhe um “lar nacional judaico”, bandeira do então minoritário sionismo.
A partilha final na ONU, em 1947, foi bancada por Harry Truman, dos EUA, e Josef Stálin, da antiga URSS, interessados no enclave sionista para manipular os árabes e suas riquezas petrolíferas. Mas a maioria dos milhões de judeus traumatizados que saíram da Europa central no pós-guerra não foram para Israel, mas para EUA, Canadá, Austrália, Europa ocidental e América Latina.
Israel não respeitou as fronteiras da fundação, nem os “acordos de paz”. É um Estado em guerra permanente —com as detestáveis mortes de civis em todos os lados— para ampliar fronteiras “seguras” frente à inaceitável expropriação e expulsão de 750 mil palestinos na Nakba. O Estado-apartheid de Israel nega aos palestinos o direito ao retorno, e aos do interior, os direitos civis.
Hoje está claro que faliu a solução dos “dois Estados” —Israel e a chamada Autoridade Nacional Palestina.
Não é razoável que o governo do nosso presidente Lula mantenha relações “normais” com um Estado-apartheid genocida. É hora de escalar o bloqueio dos contratos militares, convênios culturais e relações comerciais até a ruptura das relações diplomáticas.
Nós, que aqui assinamos, começamos jovens a combater o sionismo em diferentes situações; todavia, juntos propomos esta reflexão à opinião pública. É preciso garantir direitos iguais aos dois povos que conviveram e, por trabalhoso que seja, possam voltar a conviver fraternalmente, sem racismo nem opressão, na forma soberana que decidam.
Nós nos associamos às vozes contra o genocídio, em particular ao One Democratic State Campaing, com palestinos e judeus como Haidar Eid, professor de literatura em Gaza, e Ilan Pappé, historiador israelense. Estamos juntos por ajuda humanitária, fim da colonização, liberdade para os palestinos e por um único Estado democrático.