Federação é risco ao PT e não resolve governabilidade de Lula. Campanha Lula 2022 deve abrir o debate: Constituinte para reconstruir e transformar o país

Por Alberto Handfas

A revista Carta Capital publicou artigo nesta semana intitulado “Com Lula e Federação, bancada de esquerda na câmara pode crescer 15%”. Parece, contudo, tratar-se de uma peça publicitária em favor da adesão do PT à federação com o PSB.

O problema, porém, é que o artigo traz, ao invés de argumentos, uma malandragem. O texto força a barra para induzir o leitor à falsa ideia de que “um estudo do Diap” supostamente provaria que a “federação” seria uma espécie de elixir que garantiria um aumento tão significativo na “bancada da esquerda” a ponto de facilitar (ou talvez permitir) a reversão de emendas constitucionais regressivas e garantir a governabilidade de Lula. O que é inverídico.

Estudo do Diap

O estudo do Diap não diz o que o artigo afirma – o que, aliás, vai ficando claro ao se ler com mais atenção as informações trazidas pelo próprio artigo. Até porque o problema é bem mais complexo (como tem sido debatido no PT em “lives” e artigos; como este, por exemplo).

Diferentemente do que leva a crer o artigo, a Federação não favorece propriamente a bancada do PT. Aliás, o coordenador do Diap, Antônio Carlos Queiroz, explica algo bem diferente: em termos estritamente eleitoreiros (apenas considerando o possível número de deputados eleitos, ignorando os efeitos colaterais deletérios em termos políticos e de democracia partidária), a “federação deve ser mais vantajosa para partidos pequenos e médios, como PCdoB e PSB” do que ao PT.

Aritmética eleitoral

Ademais, o artigo, logo no 2o parágrafo, distorce a contagem atual do número de deputados, dando a entender que a bancada da Federação efetivamente em negociação por dirigentes petistas – PT, PCdoB, PSB e PV – teria 132 deputados; quando de fato tem apenas 95 (!). E tal bancada não passaria dos 130, mesmo se juntássemos a eles Psol-Rede e PDT, sendo que o primeiro já recusou participar de uma federação PT-PSB e o último rejeita peremptoriamente participar de qualquer coisa com PT (decorrente do antipetismo de Ciro e da posição da maioria da bancada pedetista – que tem votado nas políticas de Temer-Bolsonaro).

Mesmo que as “regras de sobras” (já existentes antes da federação) e a nova vigência da “cláusula de barreira” deem a tal federação “10% a 15% a mais” (favorecendo mais o PSB e muito menos o PT, como visto), elevando sua bancada combinada de 95 a algo entre 104 a 109, isso – diferente do que induz o artigo – não fará praticamente nenhuma diferença em termos de governabilidade e de garantias à implementação de políticas progressistas que um governo Lula necessitará.

Desfazer as travas constitucionais

Pois para desfazer as maldades e armadilhas/travas constitucionalizadas por Temer e Bolsonaro – as Emendas Constitucionais de congelamento de gastos, a reforma trabalhista, dentre várias outras – será necessário 3/5 da Câmara, ou seja, 308 votos no mínimo (pra não falar dos igualmente 3/5 no Senado!). Um número nem de longe atingível, mesmo que tal federação fosse ainda mais ampliada para PSOL, Rede e PDT (algo impraticável, como visto acima). E mesmo que tal bancada ampliada crescesse entre 10% e 15%, ela ficaria com apenas 143 a 149 votos. Um número muito abaixo do necessário para impedir um impeachment (171 votos, ou 1/3 da Câmara) e mais ainda para reverter/aprovar emendas constitucionais.

Portanto, eleitoralmente estrito senso, a Federação não é sequer útil à “governabilidade” de Lula e nem tampouco é própria e significativamente vantajosa ao PT. Lembrando sempre que este pode (e deve), sem prejuízos eleitorais, manter e ampliar sua bancada apenas com as coligações eleitorais normais que o PT definiu em seus últimos congressos: coligações com partidos e/ou setores deles (incluindo aí até lideranças locais mais progressistas do PDT, PSB ou mesmo outros partidos) de caráter “democrático e anti-imperialista”.

Armadilhas da federação (com PSB) ao PT

O problema real, muito além desse aspecto meramente aritmético-eleitoral, é a armadilha política ao PT que tal Federação com o PSB traz embutida. Federação, lembremos, criada numa contra-reforma eleitoral feita na surdina e sob a tutela de Barroso/STF. E PSB, lembremos, controlado por oligarcas reacionários em estados chaves, como (França em) SP, (Delgado, relator da cassação de Zé Dirceu em) MG, ou (Albuquerque no) RS. PSB, cuja maioria votou pelo golpe em Dilma, pelas contra-reformas de Temer-Bolsonaro, que festejou a prisão de Lula e que deve agora ser somada por vários ingressantes vindos do falimentar PSDB.

Na Federação, diferente de uma coligação simples (válida apenas a uma eleição), o Partido dos Trabalhadores perderia parte essencial de sua autonomia política por no mínimo quatro anos – logo, por ao menos duas eleições, 2022 e 2024. Os organismos eleitos pela base (diretórios etc) do PT tenderiam a se tornar meros enfeites sem qualquer poder decisório efetivo. Com o crescentemente direitoso PSB no comando da federação, o programa federativo (ao qual o PT se submeteria) teria de ser muito rebaixado (ou “endireitado”). Quase todas as decisões relevantes – por 4 anos (e não apenas relativas a questões eleitorais em si) – estariam sob o poder de veto do PSB. Disputas e desentendimentos entre partidos federados, pelas regras de Barroso, serão judicializadas e, portanto, resolvidas pelo TSE, abrindo flancos à ingerência do tão conhecido golpismo judicial brasileiro com seu viés reacionário e anti-classe trabalhadora. Se decidir abandonar ou desrespeitar a federação, o PT será draconianamente punido com perda de direitos de coligação e de Fundo Eleitoral.

Como garantir maioria parlamentar progressista?

Claro que todos queremos unidade dos progressistas nas eleições. Mas para isso, a boa e velha coligação eleitoral resolve melhor do que a tal Federação. Claro que queremos aumentar significativamente as bancadas do PT e das esquerdas e que queremos garantir a estabilidade parlamentar a um governo Lula. Mas a Federação não só não resolverá isso, como de fato trará graves efeitos colaterais que podem ser fatais ao PT.

Ademais, atenção, não nos enganemos: nos marcos da atual Constituição, é virtualmente impossível obter-se uma maioria parlamentar progressista ou mesmo democrática.

As próximas eleições devem sim (esperamos!) levar a um certo aumento na bancada petista e progressista. E isso nada tem a ver com Federação, mas com a reversão do clima reacionário e antipetista que grassou nas últimas eleições – decorrente sobretudo dos ataques midiático-jurídicos (Mensalão, LavaJato etc), mas também, reconheçamos, de certa frustração gerada por equívocos de nossos governos (como o Plano Levy). Tem a ver também com as crescentes expectativas que Lula e o PT despertam nas massas trabalhadoras como representantes legítimos da única saída desse inferno para o qual o povo e a nação brasileira foram empurrados pelo golpe de 2016.

Mas, nem mesmo essa forte e alvissareira mudança de ventos permitirá triplicar a bancada “das esquerdas” para atingir os 308 deputados necessários à reversão das armadilhas e emendas constitucionais golpistas. Lembremos, afinal, que mesmo quando Lula tinha 90% de aprovação nas pesquisas (durante seu 2º mandato, ou no início do 1º de Dilma), a esquerda toda nunca teve muito mais de 20% da Câmara (do Senado, então, nem se fala).

Constituinte soberana

Isso porque as regras eleitorais ao Congresso foram fabricadas para sempre garantir lá uma maioria conservadora e fisiológica. Regras, lembremos, cravadas na Constituição 88 pelo “Centrão” da época e herdadas pela ditadura militar, que aliás tutelou o processo Constituinte – sendo esse um dos motivos pelos quais o PT, liderado pelo deputado Lula, votou contra a Carta em 1988.

Afinal, o voto a deputados não é em lista-programático (mas personalista, facilmente manipulável pela mídia conservadora), é muito influenciado pela permissão de financiamento bilionário e plutocrático das campanhas eleitorais (favorecendo sempre a direita e os interesses do grande capital e latifúndio, é claro) e é profundamente anti-democrático pela desproporção regional (um voto de um estado mais rural e isolado, como AP, RR, RN, vale cerca de 12 vezes mais que o dos estados mais populosos e urbanizados, como RJ, SP, BA, MG etc. No Senado, tal desproporção é ainda muito pior).

E a Federação não resolve tais brutais distorções eleitorais do Congresso. Pedir aos atuais parlamentares para reforma-las, igualmente, seria como pedir à raposa consertar o telhado do galinheiro. Para mudar e democratizar tais regras, garantindo ao Congresso uma verdadeira representação da vontade popular, só um movimento de massas que culminasse numa Assembleia Constituinte (Soberana, pois não tutelada por nenhum poder vigente – algo jamais ocorrido na história do Brasil). Só ela, como aliás chegou a propor Dilma em 2013, pode realizar reformas estruturais que arejem com democracia as instituições de poder no Brasil. Lutas de massas em países latino-americanos – como o Chile recente, por exemplo – podem nos inspirar, embora o caminho a ser trilhado será determinado pelo próprio movimento de nosso povo.

Claro que é preciso explicar ao povo o que é tal Constituinte Soberana e porque ela é tão importante para que um governo Lula reúna as condições para reconstruir o país, atender as demandas imediatas do povo e, na sequência, transformar estruturalmente e desenvolver a nação. Portanto, o debate inicial de esclarecimento sobre a Constituinte junto ao povo deve ser imediatamente iniciado na própria campanha eleitoral 2022 do PT. Pois, inclusive, será a partir daí que se pode construir um forte movimento popular que garanta a lisura das eleições e impeça as tentativas golpistas de Bolsonaro na própria transição e posse do novo governo.

Essa, afinal, é a luta que o PT poderia favorecer e impulsionar, ao invés de aceitar um suposto atalho, de fato uma camisa de força oferecida pelo TSE, que é a Federação com o PSB.

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