Os Acordos de Oslo, a Autoridade Palestina e as suas relações com o Estado colonial israelense
Uma história de truques, manipulações e mentiras
Artigo publicado por François Lazar, no jornal francês Informações Operárias de 29 de novembro de 2023.
O presidente estadunidense Biden acaba de declarar que, uma vez erradicado o Hamas, “Gaza e a Cisjordânia deveriam ser reunificadas sob uma mesma estrutura de governança, posteriormente sob uma Autoridade Palestina revitalizada”.
A Autoridade Palestina foi criada em 1993 na sequência dos Acordos de Oslo, assinados entre o primeiro-ministro israelense, Ythzak Rabin, e o presidente da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, sob a supervisão do presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, o seu verdadeiro mentor.
Os Acordos de Oslo, com a criação da Autoridade Palestina (AP), foram concebidos e preparados no contexto da Primeira Intifada que, desde dezembro de 1987, derrotava o exército de ocupação israelense, incapaz de esmagá-la apesar dos meios utilizados. Este período assistiu também à revolução iraniana que derrubou o Xá em 1979, à queda do Muro de Berlim em 1989, ao colapso da burocracia dirigente da União Soviética e à primeira Guerra do Golfo em 1991.
Desde o início, a Intifada organizou-se rapidamente com comitês clandestinos locais e nacionais que se unificaram sob uma direção que operava diretamente no interior da Cisjordânia e dava orientações à população local. Pela primeira vez desde 1948, o poder político no seio da população palestina passou das mãos de dirigentes no exílio para as mãos de líderes, geralmente muito jovens e desconhecidos, no interior do país. A Intifada palestina é ainda mais insuportável aos olhos do imperialismo estadunidense, porque é considerada um modelo para os povos de todo o mundo que lutam contra a opressão. Por sua parte, Rabin foi levado ao poder por uma maioria do eleitorado israelense que queria pôr fim à Intifada.
Renúncia ao direito de retorno
Desde a abertura das negociações que conduziram à conclusão dos acordos, vários dirigentes palestinos consideraram que se tratava de uma capitulação. De fato, o lado palestino concordou em renunciar a todos os pontos do seu programa político que foram considerados contraditórios com as exigências israelenses, e o lado israelense limitou-se a registrar os compromissos palestinos.
A renúncia ao direito de retorno dos refugiados é parte integrante dos acordos e do “espírito” de Oslo. No entanto, a formação da Autoridade Nacional Palestina foi acompanhada do “retorno” de milhares de militantes palestinos e das suas famílias. Muito rapidamente, a AP criou órgãos dirigentes, Yasser Arafat tornou-se o presidente, foram criados ministérios, organizadas eleições legislativas, vencidas majoritariamente pelo Fatah, o partido fundador da OLP, liderado por Arafat.
Um dos principais fundamentos da AP pode ser resumido na seguinte fórmula: dinheiro por segurança. A perspectiva israelense visa sobretudo tornar invisível a ocupação, ao mesmo tempo que a continua. De fato, a constituição da AP foi acompanhada da divisão da Cisjordânia em três zonas, uma das quais sob controle total das autoridades israelenses de ocupação, permanecendo as outras duas à mercê das operações militares israelenses.
A OLP, que havia sido criada clandestinamente como órgão unificado da resistência palestina, como uma expressão organizada do conjunto do povo palestino, quer se encontre na Palestina ou nos campos de refugiados da diáspora, foi gradualmente transformada numa estrutura administrativa. O dinheiro fluiu livremente para os serviços da Autoridade Palestina, onde a corrupção se tornou sistêmica.
A colonização continua
Cerca de 150 mil funcionários trabalharam para a AP e os últimos relatórios oficiais indicam que a componente de segurança continua a ser a mais importante no seu orçamento operacional. Os órgãos de segurança afiliados ao Ministério do Interior, como a polícia, a polícia aduaneira e a proteção civil, a inteligência, a segurança preventiva e a guarda presidencial, somam um efetivo de 83.300 funcionários, representando 40% do orçamento total da entidade. Esses organismos dedicam-se essencialmente ao controle da população palestina, à repressão de organizações independentes e movimentos de protesto, em nome do exército de ocupação israelense.
A história da Autoridade Palestina é pontuada por protestos sem efeito, cada vez que a colonização ganha terreno. Está repleta de operações militares nos campos de refugiados e de provocações israelenses, nomeadamente as incursões na Esplanada das Mesquitas em Jerusalém, hábito que foi adotado por Ariel Sharon e que seria o estopim da Segunda Intifada (setembro de 2000 a fevereiro de 2005). A colonização foi acompanhada, a partir de junho de 2002, pela construção do muro de separação que, com as suas centenas de postos de controle, marca fisicamente a realidade do apartheid na Cisjordânia.
É também a história das declarações feitas sucessivamente por todos os presidentes estadunidenses, secundadas pelo chamado Quarteto (os Estados Unidos, a Rússia, a ONU e a União Europeia) anunciando regularmente a criação iminente do Estado palestino, enquanto o número de colonos israelenses continua a aumentar (é o chamado “processo de paz”, qualificado em 2007 por Henry Siegman, presidente do Congresso Judaico Americano, como “a farsa mais espetacular da história diplomática moderna”).
Enfim, é a história de uma entidade estatal brutal contra os seus cidadãos e considerada pela grande massa de palestinos como um sistema de colaboração com o exército de ocupação. A recusa da Autoridade Palestina a defender os direitos e as condições de vida da população palestina, a sua insistência em encarcerar os seus opositores terão consequências concretas.
É bem sabido que, desde o final dos anos 1980, os dirigentes israelenses, incluindo Netanyahu, favoreceram a ascensão do Hamas para enfraquecer a unidade do movimento nacional palestino, baseado no direito ao retorno e na luta pela igualdade de direitos. O mergulho da Autoridade Palestiniana na via da colaboração fez o resto.
Em 2006, o Hamas venceu as eleições legislativas da Autoridade Palestina com 74 dos 132 assentos. Essas eleições foram monitorizadas e validadas por um grande número de observadores. Imediatamente, o imperialismo estadunidense denunciou a subida ao poder de uma organização terrorista e pressionou o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, a rejeitar qualquer acordo com o Hamas. Como vemos hoje face à política genocida israelita em Gaza, diplomatas, funcionários e representantes de agências da ONU têm alertado regularmente sobre a situação nos territórios ocupados desde 1967.
Uma nota confidencial revelada por um enviado da ONU
Em maio de 2007, a imprensa publicou uma nota confidencial de Álvaro de Soto (diplomata peruano, NdT), enviado especial da ONU para estes territórios, na qual ele acusava Washington de ter encorajado o caos palestino, uma vez que Israel prosseguia a sua política de “fatos consumados no terreno” tornando cada vez mais difícil, senão impossível, a criação de um Estado palestino viável. Ele confirma que foi sob pressão dos Estados Unidos que Abbas recusou a proposta inicial do Hamas de formar um “governo de unidade nacional”.
De Soto explica então que os conselheiros de Abbas se envolveram com os Estados Unidos numa “conspiração” visando “provocar o fim prematuro do governo (da Autoridade Palestina) liderado pelo Hamas”. Ele diz que “os americanos pressionaram por um confronto entre o Hamas e o Fatah”, o que levaria o Hamas a expulsar o Fatah da Faixa de Gaza e justificar o estabelecimento do bloqueio.
Foram proferidos discursos em quantidade e livros inteiros foram escritos. Foram elaborados planos precisos (nunca com a mínima validação da população palestina, é claro) para definir como poderia ser esta entidade palestina, ironicamente chamada de Estado. Os planos chegaram até a apresentar um Estado incrustado no muro de separação, semelhante a uma pele de leopardo, com túneis para passar de um enclave para outro.
Qual seria o nome da Autoridade Palestina “revitalizada” de que fala Joe Biden? Com ou sem o Hamas, a população palestina vê-se novamente confrontada com a perspectiva de viver numa prisão a céu aberto. É por isso que, por iniciativa de militantes judeus e palestinos, está sendo desenvolvida a “Campanha por Um Único Estado Democrático”.
Deixemos de novo a palavra a Álvaro de Soto que, em uníssono com uma fração significativa de militantes políticos, democráticos, intelectuais e escritores de todo o mundo, falava em 2007 de uma perspectiva completamente diferente: “Dado que um Estado palestino requer um território e um governo, e que as bases de ambos estão sendo sistematicamente minadas”, um número crescente de palestinos, árabes israelenses e alguns judeus israelenses “acreditam que a única forma a longo prazo de pôr fim ao conflito será abandonar a ideia de dividir a terra e insistir, simplesmente, no respeito dos direitos civis, políticos e nacionais dos dois povos, judeu e árabe, que habitam o país, num único Estado”. De Soto observou ainda que “se a Autoridade Palestiniana se tornasse inútil ou inexistente e as colônias continuassem a expandir-se, a solução do Estado único sairia das sombras e começariaa entrar na corrente dominante”.