Bolívia: vitória do MAS!
Leia a análise de Júlio Turra sobre a importante derrota eleitoral dos golpistas na Bolívia. Júlio é membro do comitê nacional do DAP e também organizador do Acordo Internacional dos Trabalhadores e do CILI – Comitê Internacional de Ligação e Intercâmbio, do qual o DAP é aderente.
Bolívia: resistência das massas ao golpe devolve o governo ao MAS!
Por Julio Turra
Há pouco mais de um ano, saíam da Bolívia Evo Morales e seu vice-presidente Álvaro Garcia Linera rumo ao México (e depois à Argentina), por sugestão do alto comando das Forças Armadas. Evo acabava de ganhar as eleições para o seu quarto mandato consecutivo e era alvo de manifestações violentas da classe média reacionária e de motins policiais, de que renunciasse para evitar um “banho de sangue”. Enquanto isso, mobilizações populares de indígenas e de trabalhadores se enfrentavam com uma brutal repressão, em várias regiões do país, aos gritos de “Evo no estás solo!”.
Desde o “exílio” Evo e Linera continuaram dirigindo o seu partido MAS – Movimento ao Socialismo, denunciando o papel da OEA no golpe que colocou na presidência interina a senadora Jeanine Añez, uma aberta violação da Constituição emanada do primeiro mandato presidencial de Evo.
O governo de Añez, abertamente pró-imperialista e racista contra a maioria indígena, foi apoiado pelas Forças Armadas, empresários, pelos setores de direita e ultra-direita minoritários social e politicamente no país. Esse governo continuou reprimindo e atacando as massas até a chegada da pandemia no país vizinho.
Evo e Linera sempre orientaram o MAS e sua base a “esperar novas eleições”, cuja data foi adiada várias vezes sob a alegação da pandemia, aceitando a proibição dos golpistas de que eles próprios fossem candidatos. Uma primeira candidatura levantada pelo MAS, a de um dirigente cocalero jovem da região do Chapare (bastião de Evo), foi rapidamente substituída pela fórmula Luís Arce e David Choqueuanca (ex-chanceler), ministros de Evo. Arce teve a sua trajetória marcada por acordos logrados com o agro-negócio de Santa Cruz e por um “crescimento econômico” que lhe rendeu elogios do FMI.
O fato é que as massas populares e setores fundamentais da classe trabalhadora – apesar da posição inicial da COB (central operária) de pedir ao “companheiro Evo” que renunciasse para evitar uma guerra civil – derrotaram nas urnas e em primeiro turno (51% dos votos) Carlos Mesa (centro-direita, 30%), Camacho (o “Bolsonaro boliviano” 14%), e isso mesmo com a desistência em favor de Mesa de dois outros candidatos da direita oligárquica.
A vitória eleitoral do MAS e de Luís Arce não pode ser atribuída nem a uma pretensa “tática genial de Evo”, tampouco às teorias de Garcia Linera sobre o “capitalismo andino” ou de “estado plurinacional”. Ela se deve fundamentalmente à resistência das massas populares e trabalhadoras da Bolívia contra o golpe desde o seu início e que continuou depois da saída de Evo e Linera do país, inclusive no período da pandemia. Ela deve ser atribuída aos indígenas, aos mineiros, ao povo trabalhador que jamais aceitou o golpe promovido por uma elite “branca” odiada por seu racismo anti-indígena (menos de 20% da população do país é “branca”) e pelos privilégios econômicos que detém (propriedade privada de minas e agro-negócio exportador), apoiada por Forças Armadas, que historicamente sempre se envolveram em golpes de Estado contra o povo, e pelo imperialismo dos EUA, via a OEA que agiu para “melar” as eleições de 2019, a mando do governo Trump.
Secundariamente, mas também como efeito da resistência das massas ao golpe, houve a divisão das candidaturas de direita e extrema-direita – cada qual representando interesses oligárquicos regionais, só unidas pela submissão ao imperialismo dos EUA. Vale lembrar que o imperialismo estadunidense também se encontra numa situação de crise, com o governo Trump em final de mandato e sacudido pela explosão social do “Vidas negras importam” em plena pandemia e às vésperas das eleições de 03 de novembro.
Todos os governos de países vizinhos da América do Sul – exceto o de Bolsonaro, que não se pronunciou – reconheceram o resultado eleitoral na Bolívia. Até o Departamento de Estado dos EUA, que arreganha os dentes contra a Venezuela, reconheceu o resultado e declarou estar disposto a colaborar com o novo governo eleito.
De um ponto de vista regional, vale dizer sul-americano, a retomada do governo da Bolívia pelo MAS veio a se somar à recente vitória da Frente Ampla em Montevidéu, capital uruguaia, dando alento à luta dos povos por nações livres do jugo imperialista e soberanas.
Resta saber algo que só o desenvolvimento posterior da situação na Bolívia poderá responder: o que fará o MAS com o poder reconquistado graças à resistência das massas bolivianas ao golpe? Os golpistas serão punidos pelos seus crimes contra o povo? As Forças Armadas terão seus altos mandos golpistas expurgados e serão reestruturadas a serviço do povo? As ilusões em “capitalismo andino” serão substituídas por uma política que ataque os privilégios da classe dominante local e as posições do imperialismo no país, em benefício do atendimento das demandas históricas do povo boliviano? Quem viver, verá.
Muito bem elaborada!!!