Contribuição ao ENDAP sobre o trabalho no campo

Juanito Vieira, Sebastião Farinhada, Italo, Gilson Rodrigues, Renata, Fernanda

“O grande desafio é fazer o que os outros governos não fizeram, ou seja, uma Reforma Agrária popular.”

Esse texto é fruto do debate realizado na reunião do DAP ocorrida em 27/06 com companheiras/os das cidades de Divino, Espera Feliz, Lajinha e Manhumirim na zona da mata mineira. A reunião contou com trabalhadores da agricultura familiar e da agroecologia que decidiram enviar uma contribuição ao Encontro nacional do DAP e retirou como delegado o companheiro Daniel de Lajinha. Para facilitar a discussão e construção do texto foram feitas três perguntas para iniciar o debate das pautas do campo e a partir daí pedimos a seis companheiros de diversos movimentos para colaborarem com o debate.

O presidente Lula afirma que a prioridade do governo é acabar com a fome, que atinge atualmente 33 milhões de brasileiras e brasileiros. Nessa perspectiva, como podemos avaliar as ações de estímulo à produção do campo com foco na criação de políticas públicas para a agricultura familiar como instrumento de enfrentamento a fome nesses primeiros 6 meses de governo?

Renata (agricultora familiar da cidade de Divino/MG): Nesses 6 primeiros meses o governo federal deu indicações importantes, mas tem nada pronto ainda. Existe muitas políticas discutidas com os movimentos de agricultura familiar e agroecologia e nossa expectativa é que elas comecem a ser implementadas a partir do segundo semestre. A prioridade em acabar com a fome no Brasil abre espaço direto para o estímulo da produção de alimentos saudáveis e sem exploração do trabalho, principalmente da juventude e das mulheres – a esperança é muito grande. Para que tudo isso aconteça é preciso de políticas públicas que garantam a permanência dos agricultores e agricultoras no campo com foco sustentável e acessível. A implementação dessas políticas exige recursos e diálogo com os povos da terra, das águas, da floresta, da juventude e, principalmente, com as mulheres. Na nossa região da Zona da Mata mineira estamos buscando reforçar o polo agroecológico com diversas ações focadas nas mulheres, principalmente na geração de renda, nas microindústrias de pequenos produtos processados como instrumento de ampliação de mercado para os produtos do campo e o governo precisa dar apoio para esse projeto.  Outro importante para o campo é a discussão das ameaças que a agricultura familiar sofre, em particular o transgênico, agronegócio, os venenos e maior, na minha opinião, é a mineração que vem com objetivo de tomar nossas terras e tirar de nós o direito de plantar. A mineração está cada vez mais forte e coloca o nosso bem viver em jogo. Hoje na Serra do Brigadeiro temos um comitê de enfrentamento a mineração que atua desde 2018/2019, mas que carece de apoio para impedir a destruição do nosso território, onde tem mineração já instalada não tem vida é só exploração.

Fernanda (Presidenta do Sindicato dos Trabalhadoras/es Rurais de Espera Feliz – MG): Avalio positivamente as políticas do governo Lula para a agricultura familiar nesses primeiros 6 meses. Destaque para as políticas de combate a fome, mas, também, a elevação de 30% para 39% da porcentagem de compra do PNAE – Fundo Nacional de Alimentação Escolar – para a agricultura familiar, que permite um aumento de mercado para os/as produtores/as do campo e a oferta de uma alimentação de melhor qualidade para nossos filhos. O plano Safra da agricultura familiar, anunciado no final de junho, garantiu 71,6 de crédito para o PRONAF e somado a outras políticas de compras públicas, assistência técnica e extensão rural, Política de Garantia de Preços Mínimos para Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio), Garantia-Safra e Proagro Mais o valor chega a R$ 77,7 bilhões. Esse valor é 34% maior que o disponibilizado no ano anterior. Isso tudo qualifica o nosso trabalho. Gostaria de destacar ainda a aprovação da lei Paulo Gustavo que disponibiliza recursos para a cultura, que é uma demanda significativa e importante para o trabalhador/a do campo. Outro ponto de destaque é a volta do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que abriu diálogo com o movimento da agricultura familiar. Hoje temos espaço para apresentar nossas pautas, como o crédito fundiário, habitação e precisamos que essas demandas cheguem ao povo do campo.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra em 2022 houveram 2.018 conflitos no campo, um incremento de 10,39% se comparado com 2021. Outro dado importante para discutir a situação do campo foi do Ministério do Trabalho e Emprego que registrou, somente no primeiro trimestre de 2023, o resgate de 918 trabalhadores em situação análoga a escravidão no Brasil, sendo a maioria esmagadora no campo.  Quais ações políticas seriam necessárias para combater essa situação?

Waldeci – coordenador da CPT-MG e Ítalo – Conselho Estadual da CPT: Para erradicar os conflitos no campo é necessário: 1) A Reforma Agrária; 2) A demarcação e titulação dos territórios dos Povos Originários, dos Povos e Comunidades Tradicionais; luta contra o Projeto do Marco Temporal); Condenação dos executores (pistoleiros) e mandantes de violência/assassinatos de camponeses/as e lideranças das pastorais do campo, lideranças sindicais e de movimentos sociais de luta pela terra. Que seja crime inafiançável e imprescritível. Para combater o Trabalho Escravo é necessário: Manter a Lista Suja do Trabalho Escravo; Implantação do fluxo de atendimento as vítimas de Trabalho Escravo nos estados e municípios;  Que seja regulamentada e praticada a emenda constitucional nº 81, de 5 de junho de 2014, que estabelece expropriação de terras para fins de reforma agrária de terras que sejam localizadas exploração de trabalho escravo; Realização de Concurso Público para Auditores/as Fiscais do Trabalho; Aprovação do 3º Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo; Criação de Planos Estaduais e Municipais de Erradicação do Trabalho Escravo; Criar políticas públicas para erradicar o Ciclo do Trabalho Escravo.

Sabemos que a luta pela Reforma Agrária é um ponto central para a democratização do acesso a terra e garantia de direitos dos trabalhadores do campo e dos povos originários. Qual seria o grande desafio do atual governo Lula para garantir a ampliação do acesso à terra?

Farinhada (militante do movimento negro quilombola e violeiro da cidade de Manhumirim/MG): O grande desafio é fazer o que os outros governos não fizeram, ou seja, uma Reforma Agrária popular. O Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão e sempre a prioridade esteve na ampliação do latifúndio e isso gerou o agronegócio. As comunidades e povos originários ficam imprensados em seus territórios. A maior dificuldade dos povos tradicionais hoje é a posse da terra. Eu penso que o governo precisa olhar para nossa história e corrigir esse erro. A questão da fome é outro ponto central no Brasil, a maioria da população em situação de fome é de pretos e pardos. Para começamos a reverter essa situação precisamos que o governo faça a Reforma Agrária, demarque as terras indígenas e garanta a titulação dos quilombos. Dessa maneira, as populações mais vulneráveis poderão produzir alimentos saudáveis e combater de maneira estrutural a fome que assola nosso país. Além da questão da terra e do combate à fome é preciso garantir direitos ao povo do campo. É preciso reforçar a criação de escolas do campo que garanta uma educação de qualidade. Eu como um homem negro estudei em uma escola na cidade de Divino/MG que tem nome de coronel e os meus irmãos mais velhos estudaram em outra que fica no porão de uma fazenda. A educação no campo é um espaço de construção de consciência sobre lugar de origem e dos direitos do povo negro, indígena e dos mais pobres e ela pode fazer isso porque está diretamente ligada a vida desses jovens. Atualmente em diversos municípios há uma pressão para fechar essas escolas do campo devido a municipalização do ensino e isso tem que ser impedido e espero que o MEC assuma essa luta junto conosco. É importante registrar que as comunidades do campo sofrem com ausência de políticas públicas que precisam ser enfrentadas pelo nosso governo Lula.

Gilson Rodrigues (Assentado da Reforma Agrária em Tumiritinga- Vale do Rio Doce MG): É preciso tirar a reforma agrária do discurso e transformá-la em realidade no Brasil. Para isso, é preciso enfrentar o latifúndio e lutar para garantir políticas de estímulo a produção familiar, que permita ao homem do campo ter condições de produzir e viver dignamente com sua família. O governo Lula precisa garantir a posse coletiva da terra para os assentados da Reforma Agrária. Durante o governo Bolsonaro o foco era a distribuição de títulos individuais o que na nossa visão representa um retrocesso. Outro fator importante é a necessidade dos assentados terem acesso a políticas de estímulo a produção, como por exemplo infraestrutura, saneamento básico, assistência técnica e recursos para investir em maquinário e em agro indústria, para que ele possa garantir produtividade e, dessa maneira, permanecer na terra. Falta de apoio nos últimos anos contribuiu para os assentamentos fossem infestados por pessoas que ameaçam a nossa própria vida e de nossas famílias. Por último, é preciso combater o trabalho escravo no campo, o que exige fiscalização e resgate, mas o mais importante para evitar que trabalhador volte a ser resgatado é necessário que ele seja encaminhado para um assentamento de reforma agrária e tenha acesso a políticas de estímulo à produção, à educação e saúde. Além disso, é preciso punição severa para os responsáveis pela utilização de trabalho escravo.

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