“Por um verdadeiro cessar-fogo”

O jornal francês, Informações Operárias de 09 de Novembro de 2023 publicou uma entrevista com a militante sindical e codirigente da Comissão Internacional do DSA, Janna Silverman sobre a situação em Gaza e as mobilizações que vêm acontecendo nos EUA contra a guerra e em defesa do povo palestino. O DSA: em inglês Democratic Socialists of America (Socialistas Democratas da América) é agrupamento interno e externo à esquerda do Partido Democrata.

Abaixo republicamos a entrevista traduzida.

Qual é a posição do DSA sobre a situação em Gaza?

Janna Silverman

Janna Silverman: O DSA é uma organização com várias tendências. Então, naturalmente, dentro do DSA, diferentes grupos políticos têm posições específicas sobre a questão palestina, mas, no nosso programa político, afirmamos claramente que somos a favor do fim da ocupação da Palestina e da libertação do povo palestino, que apoiamos e participamos no movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções). Todos os candidatos que apoiamos em eleições devem se comprometer com isso, o que nos causou dificuldades: alguns candidatos progressistas, que agora são membros da bancada progressista do Congresso (Congressional Progressive Caucus), optaram por não solicitar a nossa investidura para não terem de assumir um compromisso público sobre este ponto. E, obviamente, com tudo o que aconteceu nos últimos meses, fomos muito claros sobre isso.

Nós consideramos que os palestinos têm o direito de resistir, isso está consagrado no direito internacional, não é uma invenção da nossa parte. Obviamente, lamentamos as mortes de civis de ambos os lados. Em 7 ou 8 de outubro, publicamos uma posição de consenso do DSA sobre o assunto, e acho que o ponto principal é que, neste momento, a violência que está acontecendo não é algo que começou em 7 de outubro, mas algo que começou há setenta anos atrás, por causa da própria ocupação.

Como socialistas, no ventre da besta que financia este genocídio, pensamos que a nossa responsabilidade a curto prazo é exigir um cessar-fogo e, depois, que a nossa visão a longo prazo não é a de dois Estados, mas sim de um único Estado laico com direitos iguais para palestinos e israelenses. É um pouco utópico neste momento, mas o nosso principal objetivo político não é uma pausa humanitária, e sim, um verdadeiro cessar-fogo. O fim da violência de ambos os lados, um cessar-fogo que permita encontrar soluções diplomáticas. Cada minuto que passa sem um cessar-fogo resulta na morte de palestinos, e, de forma desproporcionada, de mulheres e as crianças.

Qual é a situação do movimento contra a guerra em Gaza nos Estados Unidos?

Ontem, como você sabe, foi um dia de ação internacional, e vimos grandes manifestações em todos os Estados Unidos, sobretudo em Washington. Em São Francisco, onde moro, houve uma manifestação maciça, com mais de 20 mil pessoas. Em Saint Louis, Minneapolis e em muitas outras cidades também. Existem diferentes números, mas entre 200 mil e 300 mil pessoas se manifestaram em Washington, respondendo ao chamado do DSA e de outras organizações. Esta foi claramente a maior série de manifestações pró-Palestina na história dos EUA.

Cada vez mais eleitores democratas, principalmente os jovens, são a favor de um cessar-fogo imediato. Uma das coisas de que o DSA está muito orgulhoso é o fato de dois dos nossos membros, os congressistas Rashida Tlaib e Cori Bush, terem patrocinado uma resolução muito importante apelando a um cessar-fogo, à qual acredito que vinte membros do Congresso já aderiram. Organizamos sessões de telefonemas,  chamamos mais de 120 mil pessoas e as incentivamos a ligar aos seus representantes no Congresso para que apoiassem esta resolução. Como resultado direto, quatro novos membros do Congresso assinaram. Inicialmente, apenas 16 membros tinham assinado, e agora Maxine Waters, representante da Califórnia, acaba de assinar.

Vai ser muito difícil ganhar esta votação porque, evidentemente, todos os republicanos são contra a resolução, mas é simbolicamente muito importante, sobretudo se olharmos para ela de um ponto de vista histórico: depois do  11 de Setembro (atentado da AL-Quaeda às Torres Gêmeas em 2001 – NdT), antes da guerra no Iraque, o clima político era muito semelhante, mas naquela época, em 2001-2002, não havia nenhuma grande organização socialista de esquerda nos Estados Unidos, o DSA era minúsculo, havia outras organizações trotskistas muito pequenas; não estavam em posição de influenciar o clima político. O movimento contra a guerra no Iraque era muito mais difuso e menos organizado e quando se tratou de votar contra, apenas um membro do Congresso votou contra; agora sabemos que há pelo menos vinte membros que votam contra o financiamento militar, que votam por um cessar-fogo, e esperamos que esse número continue a aumentar, com base na nossa atividade. Mais uma vez, este sentimento contra a guerra não para de crescer. Embora tenha se passado menos de um mês, é impressionante ver os números: mais da metade, especialmente os jovens, são contra o aumento do financiamento militar de Israel pelos Estados Unidos. A maioria dos eleitores democratas é contra. Não é uma estratégia muito inteligente para Biden, candidato à reeleição no próximo ano, continuar nesse caminho. Penso que é importante continuar a pressionar o governo para acabar com o financiamento. Aliás, acaba de ser aprovado um projeto de lei para aumentar o financiamento para o exército israelense. Somos uma minoria no Parlamento, mas sentimos que somos a maioria na sociedade. 

E o movimento sindical? Você está em São Francisco, então não muito longe de Oakland: eu vi coisas acontecendo lá…

Sim, de fato, na sexta-feira houve uma grande ação que, mais uma vez, não foi autorizada pela direção nacional do movimento sindical. Foi muito localizado, militantes sindicais progressistas que militam no sindicato dos portuários, o ILWU, conseguiram impedir, mas não em nome do seu sindicato, o carregamento e o envio de armas para Israel, em colaboração com militantes antissionistas e antiguerra. É o primeiro passo para ir além das ações simbólicas de alguns sindicatos, como declarações por um cessar-fogo, e  impedir realmente essa guerra.

O problema nos Estados Unidos é que há sindicalistas de base, mais à esquerda, que estão pressionando seus sindicatos locais a emitir comunicados por um cessar-fogo, mas a AFL-CIO (central sindical – NdT) só divulgou uma declaração muito morna e não pediu um cessar-fogo. Há um grupo judaico muito sionista dentro do AFL-CIO, liderado por um dirigente sindical pró-israelense chamado Stuart Applebaum que bloqueia ativamente todas as vozes judaicas no movimento operário, como eu e outros que são judeus e antissionistas e contra a guerra. É muito difícil ter um movimento nacional nesta questão. Os sindicatos de professores, o sindicato dos empregados do Starbucks, várias seções locais do UAW e outros fizeram suas próprias declarações contra a ocupação e contra a guerra. Mas eu acho que não há nenhuma esperança, a curto prazo, de termos declarações a nível nacional nos Estados Unidos, nem mesmo de alguns desses sindicatos de esquerda, infelizmente. Basta ver o tempo que os sindicatos dos EUA demoraram para opor-se à guerra do Vietnã, e alguns nunca o fizeram.

A propósito, parece que muitos manifestantes são jovens judeus antissionistas. Você pode nos contar mais?

O DSA, como muitas organizações socialistas em todo o mundo, tem proporcionalmente muitos membros judeus, e trabalhamos em estreita colaboração com dois grupos, chamados Jewish Voice for Peace (Voz Judaica pela Paz) e IfNotNow (SeNãoJá). Nós organizamos com esses dois grupos grandes manifestações, mas principalmente eventos espetaculares, por exemplo, fechando as estações de trem no centro de Manhattan e na Filadélfia na semana passada, fazendo uma manifestação pacífica em frente à Casa Branca. Novamente, estamos agindo adotando deliberadamente muitas táticas do movimento dos direitos civis, usadas por Martin Luther King na década de 1960, uma figura muito reverenciada na história e na política dos EUA, utilizando estas táticas e fórmulas, como “Não em Nosso Nome”, como “as vítimas de um genocídio não deveriam cometer outro genocídio”, e contestando a ideia de que não somos verdadeiramente judeus se criticarmos o estado de Israel.

Tem havido muitas reações negativas contra algumas das figuras mais visíveis desse movimento, vindas de outros membros da comunidade judaica estadunidense. Acho que uma coisa que se destaca neste movimento pró-Palestina é, de fato, uma presença judaica muito forte. Aliás, isto não é algo novo. Lembro-me que quando eu era jovem, e era militante em Nova York, durante a Segunda Intifada, também tínhamos grupos de judeus contra a ocupação nas manifestações. Só que agora está em uma escala maior.

Você gostaria de acrescentar alguma coisa?

Quando penso nos companheiros da França que vão ler esta entrevista, acredito que é muito importante estabelecermos essas ligações, conhecermos as lutas em curso. Mesmo sabendo que o sentimento anti-guerra e anti-ocupação está crescendo nos Estados Unidos, às vezes nos sentimos isolados neste trabalho, então eu gostaria de continuar a trocar experiências e estratégias, e, claro, em particular, com palestinos. Porque, em primeiro lugar, é a sua luta, embora seja nossa obrigação moral apoiá-los.

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